No decorrer do século XIX, quando por toda a
parte, chegavam à maturação os venenosos frutos de destruição da
sociedade cristã, cujos germes haviam sido tão largamente disseminados pelo
século anterior, a Igreja, principalmente na Itália, viu-se à mercê de
muitas procelas contra si levantadas, nesses
tristes tempos, pela maldade dos
homens. Contemporaneamente,
porém, a misericórdia divina enviou,
para auxílio de sua Igreja, válidos campeões, para que evitassem a ruína e conservassem entre o nosso povo a mais preciosa das heranças recebidas dos Apóstolos – a fé genuína de
Cristo.
De
fato, no meio das dificuldades
daqueles tempos, surgiram entre
nós, homens de ilibadíssima santidade e, mercê de sua prodigiosa atividade,
nenhum assalto dos inimigos, logrou
desmantelar as muralhas de Israel.
Sobressai entre os demais, por elevação
e espírito de grandeza de obras, o Bem-Aventurado João Bosco que, no
tristíssimo evoluir dos tempos se constituiu, durante o século passado, qual
marco miliário apontando aos povos o
caminho da salvação. Porquanto,
“Deus o suscitou para justiça”, segundo a expressão de Isaías, e “dirigiu
todos os seus passos”. E, na verdade, o Bem-aventurado João Bosco, por virtude do
Espírito Santo, resplandeceu diante de nós como modelo de sacerdote feito
segundo o coração de Deus, como educador inigualável da juventude, como fundador de novas famílias religiosas e como propagador da fé.
De
humilde condição, nasceu João Bosco numa
casa campestre, perto de “Castelnuovo d’Asti”, de Francisco
e Margarida Occhiena, pobres mas
virtuosos cristãos, aos 16 de agosto de
1815. Tendo perdido o pai na
tenra idade de dois anos, cresceu na
piedade sob a sábia e santa guia materna. Desde menino,
resplandeceu nele uma índole excelente,
a que andavam unidas grande agudeza
de engenho e tenacidade de memória, aprendendo num instante quanto lhe
era ensinado pelos mestres, primando
sempre, sem contestação, nas classes, pela rapidez no aprender e facilidade de intuição.
Depois
de alguns anos de áspera e laboriosa
pobreza, que lhe rebusteceu a
fibra, preparando-o para as mais árduas
provas, com o consentimento da
mãe e recomendação do bem-aventurado José Cafasso (*), entrou para o seminário de Chieri, onde, por espaço de seis anos, se dedicou com ótimo aproveitamento,
aos estudos. Recebeu, finalmente, a
ordenação sacerdotal, em Turim, aos 05
de junho de 1841. Poucos
meses após, admitido ao Colégio Eclesiástico de São Francisco de Assis, sob a direção do
bem-aventurado José Cafasso, exercitou com grande vantagem das almas, o ministério sacerdoral nos
hospitais, nos cárceres, no
confessionário e na pregação da palavra
de Deus.
Formado
assim neste exercício prático do sagrado
ministério, sentiu acender-se, mais viva
do que nunca em seu espírito, a peculiar
vocação alimentada por inspiração divina desde
sua adolescência, qual a de atender e dirigir para o bom caminho a juventude, particularmente a abandonada.
Sua perspicácia havia já intuído, de quanta utilidade devesse ser este
meio para preservar a sociedade da ruína
a que estava ameaçada e, para a atuação
de tal desígnio, dirigiu os esforços de seu nobre coração com tão felizes
resultados que, entre os educadores cristãos contemporâneos, figura ele indubitavelmente, em primeiro lugar.
O
próprio nome “Oratório”, dado à sua instituição, faz-nos ver
sobre quão firme base tenha construído todo o edifício, isto é, sobre a doutrina e piedade cristã, sem a que baldada se torna, qualquer tentativa de arrancar às paixões viciosas o coração dos
jovens e endereça-lo para ideais mais
nobres. Nisto, porém, usava ele tanta doçura que os jovens quase
que, espontaneamente, sorviam e amavam a
piedade, não já constrangidos, mas por verdadeira convicção, e uma
vez ganho seu afeto, levá-los-ia sem
dificuldade para o bem.
A fim
de perpetuar a existência de sua obra
e prover assim mais eficazmente a educação juvenil, animado pelo Bem-aventurado
José Cafasso e pelo Papa Pio IX, de santa memória, fundou a “Pia Sociedade de São Francisco de Sales” e, algum tempo
depois, o “Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora”.
Hoje
as duas famílias formam um conjunto de quase
vinte mil membros, espalhados por
todo o mundo em cerca de mil e
quinhentas Casas. Milhares e milhares
de crianças de ambos os sexos recebem
sua formação literária e profissional.
Seus Filhos e Filhas também se encarregam , generosamente, da assistência aos enfermos e aos leprosos e, alguns deles, contraindo este terrível morbo,
sucumbiram vítimas de sua caridade. Dignos
filhos de tão grande Pai!
Nem
deve passar desapercebida a instituição dos Cooperadores, isto é, uma associação de fiéis, em sua maioria leigos que,
animados do mesmo espírito
da Sociedade Salesiana e
como essa dispostos a qualquer obra de caridade, tem por escopo prestar, segundo as circunstâncias, válido
auxílio aos párocos, aos bispos
e ao mesmo Sumo Pontífice. Primeiro e
notável ensaio de “”Ação católica!”
A
Associação foi aprovada por Pio IX
e, em vida ainda do bem-aventurado Jão
Bosco, alcançou a
cifra de oitenta mil sócios.
Mas, o
zelo das almas que lhe ardia no peito,
não se limitou tão somente ao
círculo das nações
católicas; alargando o horizonte de sua caridade, enviou os
missionários de sua família religiosa à
conquista dos gentios para Cristo.
Aos
primeiros que, chefiados por João
Cagliero, de santa e gloriosa memória,
se dedicaram à evangelização das
extremas terras da América Meridional, surgiram muitos e muitos
outros salesianos que espalhados
agora aqui e ali pelo mundo, levam
intrepidamente o cristianismo aos povos infiéis.
Quantas
e quão grandes coisas tenha ele feito e
padecido pela Igreja e pela tutela dos direitos do romano Pontífice,
seria difícil dizer-se. Pode-se aplicar, portanto, ao bem-aventurado João
Bosco, as palavras que temos de Salomão:
Deus lhe deu sapiência e prudência
extremamente grande, e magnitude
imensurável como a areia que está na
praia do mar. (3 Re, 4, 29).
Deu-lhe Deus sapiência, pois que,
renunciando a todas as coisas terrenas,
aspirou unicamente promover a glória de
Deus e a salvação das almas. Era seu
mote: “Dai-me as almas e ficai-vos com o resto”.
Cultivou em grau supremo a
humildade; tornou-se insigne no
espírito de oração, tendo a mente sempre unida a Deus, se
bem que parecesse continuamente distraída por uma multidão de
afazeres.
Nutria extraordinária devoção para com
Maria Santíssima Auxiliadora, e experimentou inefável alegria quando
pode edificar em sua honra, na cidade
de Turim, o célebre templo, do alto de cuja cúpula campeia a Virgem Auxiliadora, Mãe e Rainha, sobre toda a casa de Valdoco.
Morreu santamente no Senhor, em
Turim, aos 31 de janeiro de 1888.
Crescendo, dia a dia, sua fama de
santidade, foram, pela Autoridade Ordinária, instaurados os processos; a causa da beatificação foi introduzida por
Pio X, de santa memória, em 1907. A
Beatificação foi depois solenemente celebrada na Basílica Vaticana, com regozijo
de toda a Igreja, no dia 2 de junho de
1929.
Reencetada a Causa no ano seguinte,
foram feitos os processos sobre duas curas que pareciam devessem ser atribuídas
a milagre divino. Pelo decreto de 19 de
novembro deste ano, foram aprovados os
dois milagres operados por Deus e
atribuídos à intercessão do Bem-aventurado.
Desfeita
a última dúvida, isto é, se em vista da aprovação dos dois
milagres, depois que a Santa Sé concedera culto público ao
Bem-aventurado, se poderia proceder com segurança à sua solene Canonização.
Esta dúvida foi proposta ao
Eminentíssimo Cardeal Alexandre Verde, Ponente ou Relator da Causa, na
Congregação geral da S.C. dos Ritos, realizada em presença do Santo Padre no dia
28 de novembro. Todos os eminentíssimos
Cardeais presentes, Oficiais, Prelados e
Padres Consultores deram parecer unânime e afirmativo, parecer que o Santo Padre
jubilosamente aceitou, deferindo, todavia, o seu juízo para o dia 3 de dezembro,
primeiro domingo do advento. Portanto, o Santo Padre, em 3 de dezembro de 1933, dia também consagrado a São Francisco
Xavier, padroeiro da Obra da Propagação
da fé, fez a solene declaração neste
sentido. A canonização teve lugar a 1 de
abril de 1934, no dia da Ressurreição,
último Ano Santo da Redenção, na
presença de toda a Corte Pontifical, no
meio de um esplendor extraordinário,
diante de perto de 300.000
pessoas.
(*) São José
Cafasso – canonizado em 1947 pelo Papa Pio XII. (Consta no texto como
“bem-aventurado” porque o decreto pontifício é anterior à sua canonização.)
Fonte: Página Oriente
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