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domingo, 20 de janeiro de 2013

O Concílio Vaticano II: 50 anos depois (IV)

4. Uma promessa cumprida
Qual é, então, o significado do concílio como conjunto dos documentos produzidos, Dei Verbum, Lumen Gentium, Gaudium et Spes, Nostra Aetate, etc.? Vamos deixá-los todos de lado e esperar tudo do Espírito? A resposta está contida na frase com que Agostinho resume a relação entre a lei e a graça: "A lei foi dada para buscarmos a graça, e a graça foi dada para observarmos a lei"[21]. O Espírito não dispensa o valor da letra, ou seja, os decretos, o Vaticano II. Ao contrário, é ele quem nos leva a estudá-los e a colocá-los em prática. E, de fato, fora do ambiente acadêmico, onde são objeto de discussão e de estudo, é nas realidades da Igreja mencionadas acima que eles são tidos de fato em maior consideração.

Eu mesmo experimentei isto. Eu me livrei de preconceitos contra judeus e protestantes, acumulados durante os anos de formação, não pela leitura da Nostra Aetate, mas por ter feito também, à minha humilde maneira e graças a alguns irmãos, a experiência do novo Pentecostes. Depois eu senti a necessidade de reler a Nostra Aetate, como reli ainda a Dei Verbum após o Espírito incutir em mim um novo amor pela palavra de Deus e pela evangelização. O movimento, entretanto, pode acontecer nas duas direções: alguns, para usar a linguagem de Agostinho, são incentivados a partir da letra para buscar o Espírito, e outros são movidos pelo Espírito a observar a letra.

O poeta Thomas S. Eliot compôs versos que podem nos iluminar quanto ao significado das celebrações do 50º aniversário do Concílio Vaticano II:

"Não devemos nos deter em nossa exploração,

E o fim do nosso explorar

Será chegar ao ponto donde partimos

E conhecer o lugar pela primeira vez" [22].

Depois de muitas explorações e controvérsias, somos levados de volta para o lugar onde começamos: no caso, o concílio. Mas todos os trabalhos em torno dele não foram em vão, porque, no sentido mais profundo, só agora somos capazes de "conhecer o lugar pela primeira vez", de avaliar o seu verdadeiro significado, desconhecido para os Padres do concílio.

Isso nos permite dizer que a árvore crescida do concílio é coerente com a semente da qual nasceu. De onde nasceu o evento do concílio Vaticano II? As palavras com que João XXIII descreve a emoção que acompanhou "o súbito florescimento em seu coração e em seus lábios da simples palavra concílio"[23] sugerem os sinais de uma inspiração profética. Ao encerrar a primeira sessão, ele falou do concílio como “um novo e desejado Pentecoste, que há de enriquecer a Igreja com abundância de energias espirituais”[24].

Depois de 50 anos, não podemos deixar de constatar o cumprimento da promessa feita por Deus à Igreja, pela boca de seu humilde servo, o beato João XXIII. Se nos parecer exagerado falar de um novo Pentecostes, diante de todos os problemas e conflitos que surgiram na Igreja depois e por causa do concílio, o que temos a fazer é reler os Atos dos Apóstolos e observar que os problemas e disputas já ocorreram após o primeiro Pentecostes. E não menos acalorados que os de hoje!

[Tradução Equipe ZENIT]

[1] Cf. Il Concilio Vaticano II. Recezione e attualità alla luce del Giubileo (O Concílio Vaticano II. Recepção e atualidade á luz do Jubileu), aos cuidados de R. Fisichella, Ed. San Paolo 2000.

[2] João XXIII, Discurso de abertura do Concílio, n. 6,5 (Os textos do Concílio são tirados da versão que se encontra no site oficial do Vaticano).

[3] Paolo VI, Enc. Ecclesiam suam, 52; cf. também Insegnamenti di Paolo VI, vol. IX (1971), p. 318.

[4] João Paolo II, Audiência Geral do 1 Agosto 1979.

[5] J.H. Newman, Lo sviluppo della dottrina cristiana, (O progresso da doutrina cristã), Bolonha, Il Mulino 1967, pp.46 s.

[6] Gregorio Magno, Commento a Giobbe (Comentário a Jó) XX,1 (CC 143 A, p. 1003).

[7] S. Ireneo, Contra as heresias III, 24,1.

[8] Ch. Péguy, Le Porche du mystère de la deuxième vertu, La Pléiade, Paris 1975, pp. 588 s. (trad. ital. di M. Cassola, Milano 1978, pp. 60-62).

Ces paroles prononcées vivantes dans le temps ».

[9] Tomas de Aquino, Summa theologiae, I-IIae, q. 106, a. 2.

[10] Ibid., q. 106, a. 1; cf já Agostinho, De Spiritu et littera, 21, 36.

[11] Joao Paulo II, Carta apostólica A Concilio Constantinopolitano I, 25 março 1981, in AAS 73 (1981) 515-527.

[12] I. Ker, Newman, the Councils, and Vatican II, in “Communio”. International Catholic Review, 2001, págs. 708-728.

[13] Newman, op. cit. p.46.

[14] Exemplo ainda mais claro aconteceu no concílio ecumênico de Éfeso, em 431, com a definição de Maria como Theotokos, Mãe de Deus. O concílio queria unicamente afirmar a unidade de pessoa de Cristo. No entanto, deu imenso impulso ao crescimento da devoção mariana e à construção das primeiras basílicas dedicadas a ela. A unidade de pessoa de Cristo foi definida depois, em outro contexto e com mais equilíbrio, no concílio de Calcedônia, em 451.

[15] Cf H.G. Gadamer, Wahrheit und Methode, Tübingen 1960.

[16] Novo millennio ineunte, 42.

[17] I. Ker, art. cit. p.727.

[18] João Paulo II, Novo millennio ineunte,46.

[19] Cf. discurso na vigília de Pentecostes em 2006.

[20] Card. L.-J. Suenens, Memories and Hopes, Dublin, Veritas 1992, pág. 267.

[21] Agostinho, De Spiritu et littera ,19,34.

[22] T.S. Eliot, Four Quartets V , The Complete Poems and Plays, Faber & Faber, Londres 1969, p.197.

[23] João XXIII, Discurso de abertura, Vaticano II, 11 de outubro de 1962, núm 3,1

[24] João XXIII, Discurso de encerramento do primeiro período do concílio, 8 de dezembro de 1962, núm. 3,6.

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