
Apresentamos a íntegra da entrevista concedida por Mons. Guido Pozzo, secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, à Nouvelles de France.
Tradução de Christiano Oliveira 
Fonte: Foco Católico
Visto em: Missa Gregoriana em Portugal
Monsenhor, qual é a finalidade do Motu Próprio Summorum Pontificum?
O Motu próprio Summorum Pontificum  pretende oferecer a todos os fiéis católicos a liturgia romana no usus  antiquior, considerando-a como um tesouro precioso a ser conservado. Com  este objetivo, ele pretende garantir e assegurar a todos aqueles que  pedem o uso da forma extraordinária assim, favorecer a unidade e a  reconciliação dentro da Igreja.
Por que este sucesso da missa de São Pio V entre os jovens católicos?
Penso que o recolhimento interior, o  sentido da missa como sacrifício é particularmente valorizado pela forma  extraordinária. É o que explica, em parte o aumento do número de fiéis  que a requerem.
A carta do Papa que acompanhou o  Motu proprio indica que havia um aumento do número de fiéis requerendo o  uso da forma extraordinária. Qual é a razão segundo o senhor?
A carta que acompanhou o MP apresenta as  razões e as explicações que esclarecem as finalidades e o sentido do  MP. É fundamental sublinhar que as duas formas do único rito romano se  enriquessem mutuamente e devem, então, serem consideradas como  complementares. O reestabelecimento do usus antiquior do missal romano  com seu quadro normativo próprio é devido ao aumento dos requerimentos  vindos dos fiéis que desejavam poder participar da celebração da Santa  Missa na forma extraordinária. Trata-se, em essência, de respeitar e  valorizar um interesse particular de certo número de fiéis pela Tradição  e pela riqueza do patrimônio litúrgico colocado em evidência pelo rito  romano antigo. È interessante que esta sensibilidade esteja presente  também nas gerações mais jovens, quer dizer, entre pessoas que não foram  formadas previamente à este gênero de liturgia.
Dizemos que os movimentos tradicionais suscitam mais vocações que fora deles. É verdade? Se sim, por que?
Nos Institutos que dependem da Comissão  Pontificial Ecclesia Dei e que seguem as formas litúrgicas e  disciplinares da Tradição, existe um aumento de vocações sacerdotais e  de vocações à vida religiosa. Creio que, portanto, que uma retomada das  vocações sacerdotais também pode ser constatada nos Seminários.  Sobretudo onde oferecemos uma formação e uma educação ao ministério  sacerdotal e à uma vida espiritual séria e rigorosa, sem as reduzir pela  secularização, que, infelizmente, penetrou na mentalidade e nas formas  de vida de certos cléricos e mesmo nos seminários. Isto constitui, penso  eu, a causa principal da crise das vocações ao sacerdócio, crise mais  qualitativa do que quantitativa. Apresentar a figura do padre em sua  profunda identidade, como ministro do sagrado, quer dizer, como alter  Christus, como guia espiritual do povo de Deus, como aquele que celebra o  sacrifício da Santa Missa e perdoa os pecados no sacramento da  confissão, agindo in persona Christi capitis, esta é a condição  essencial para a implementação de uma pastoral vocacional que seja  frutuosa e permita a retomada das vocações ao sacerdócio ministerial.
O senhor sabe se o Papa está satisfeito com a aplicação do MP?
A comissão pontifícia Ecclesia Dei  mantém o Santo Padre informado sobre a evolução da aplicação do MP e  sobre o crescimento da sua recepção, apesar das dificuldades de  aplicação que constatamos aqui ou lá.
Quais são concretamente as dificuldades de aplicação que os senhores encontram?
Existe resistência por parte de certos bispos e membros do clero que não se deixam tão acessível a missa tridentina.
A instrução Universæ Ecclesiæ parece favorecer ainda mais a celebração da forma extraordinária. É o caso?
A instrução tem por objetivo ajudar a  aplicação de maneira cada vez mais eficaz e correta as diretivas do MP.  Ela oferece certas precisões normativas e certas clarificações de  aspectos importantes para a implementação na prática.
Temos a impressão que é  principalmente na França que as reações são mais epidérmicas sobre este  assunto. Qual é a razão segundo o senhor?
Pode ser muito cedo para fazer uma  avaliação suficientemente completa das reações à Instrução, e isto vale  não só para a França. Mas me parece que pensando na situação da Igreja  na França, tem que se levar em conta o fato de que existe uma tendência a  polarizar e radicalizar os julgamentos e as convicções na matéria. Isto  não favorece uma boa compreensão e uma recepção autêntica do documento.  É preciso ultrapassar uma visão principalmente emotiva e sentimental.  Trata-se – e é um dever – de recuperar o princípio da unidade da  liturgia, que justifica precisamente a existência de duas formas, todas  as duas legitimas, que não devem nunca ser vistas em oposição ou em  alternativa. A forma extraordinária não é um retorno ao passado, e não  deve ser compreendida como um questionamento da reforma litúrgica  querida pelo Vaticano II. Assim também, a forma ordinária não é uma  ruptura com o passado, mas seu desenvolvimento ao menos em certos  aspectos.
Solicitude dos Soberanos  Pontífices e Igreja universal são os respectivos títulos do MP e de sua  instrução. Isto quer dizer que o objetivo é uma reconciliação com os  “tradicionalistas”?
A instrução, como eu disse no início,  pretende favorecer a unidade e a reconciliação dentro da Igreja. O termo  “tradicionalista” é com freqüência uma formula genérica utilizada para  definir coisas muito diferentes. Se, por “tradicionalistas”, entendemos  os católicos que repropõem com força a integridade do patrimônio  doutrinal, litúrgico e cultural da fé e da tradição católica, é claro  que eles acharão conforto e apoio na instrução. O termo  “tradicionalista” pode também ser entendido diferentemente e designar  aquele que faz um uso ideológico da Tradição, para opor a Igreja antes  do CVII e a Igreja do Vaticano II, que teria se distanciado da Tradição.  Esta opinião é uma maneira deformada de compreender a fidelidade à  Tradição, porque o CVII faz, ele também, parte da Tradição. Os desvios  doutrinais e as deformações litúrgicas que foram produzidas depois do  fim do CVII não tem nenhum fundamento objetivo nos documentos  conciliares entendidos no conjunto da doutrina católica. As frases ou  expressões dos textos conciliares não podem e não devem ser isoladas ou  arrancadas, por assim dizer, do contexto global da doutrina católica.  Infelizmente, esses desvios doutrinais e esses abusos na aplicação  concreta da reforma litúrgica constituem o pretexto desse  “tradicionalismo ideológico” que faz recusar o Concílio. Um tal pretexto  se apóia sobre um preconceito sem fundamento. É claro que hoje não é  suficiente  repetir o dado conciliar, mas é necessário ao mesmo tempo  refutar e recusar os desvios e as interpretações errôneas que pretendem  ter fundamento no ensino conciliar. Isto vale também para a liturgia.  Esta é a dificuldade com a qual nos deparamos hoje.
“Os fiéis que requerem a  celebração da forma extraordinária não devem nunca ajudar ou pertencer à  grupos que neguem a validade ou a legitimidade da Santa missa ou dos  sacramentos celebrados segundo a forma ordinária, ou que se opõem ao  Pontífice romano como pastor supremo da Igreja universal” (instrução  Universæ Ecclesiæ, §19). Esta observação visa a Fraternidade São Pio X?
O artigo da instrução à que você se  refere concerne certos grupos de fiéis que consideram ou postulam uma  antítese entre o missal de 1962 e aquele de Paulo VI, e que pensam que o  rito promulgado por Paulo VI para a celebração do Sacrifício da Santa  Missa é prejudicial aos fiéis. Quero precisar que é preciso distinguir o  rito e a missa como tal, celebrado conforme as normas, e uma certa  compreensão e aplicação da reforma litúrgica caracterizada pela  ambigüidade, deformações doutrinais, abusos e banalizações, fenômenos  infelizmente bastante difundidos que levaram o cardeal J. Ratzinger a  falar sem hesitar em uma das suas publicações do “colapso da liturgia”.  Seria injusto e falso atribuir ao missal reformado a causa de um tal  colapso. Ao mesmo tempo, é preciso acolher o ensinamento e a disciplina  que o papa Bento XVI nos deu na carta apostólica “Summorum Pontificum”  para restaurar a forma extraordinária do rito romano antigo e seguir a  maneiraexemplar com a qual o Santo Padre celebra a Santa Missa na forma  ordinária na São Pedro, em suas visitas pastorais e em suas viagens  apostólicas.
Hoje ainda, o senhor pensa que o ensino do Concílio não é corretamente aplicado?
No conjunto, infelizmente sim. Existem  situações complexas nas quais constatamos que o ensino do Concílio ainda  não é compreendido. Praticamos ainda uma hermenêutica da  descontinuidade com a Tradição.
Bento XVI parece muito atento à liturgia durante o seu pontificado. Isto procede?
Está absolutamente correto, mas a  precisão que eu dei dizia respeito sobretudo aos grupos que pensam que  existe uma oposição entre os dois missais.
A Fraternidade São Pio X reconhece esse missal como válido e lícito?
É preciso perguntar à própria Fraternidade São Pio X.
O Santo Padre deseja que a FSSPX se reconcilie com Roma?
Certamente. A carta de elevação das  excomunhões dos quatro bispos consagrados ilegitimamente por Mons.  Lefebvre é a expressão do desejo do Santo Padre de favorecer a  reconciliação da FSSPX com a Santa Sé.
O conteúdo das discussões que  têm lugar entre Roma e a FSSPX é secreto, mas sobre quais questões e de  que maneira estão se desenrolando?
O nó essencial é de caráter doutrinal.  Para chegar à uma verdadeira reconciliação, é preciso ultrapassar certos  problemas doutrinais que estão na base da cisão atual. Nos colóquios em  curso, temos a confrontação dos argumentos entre os experts escolhidos  pela FSSPX e os experts escolhidos pela Congregação para a Doutrina da  Fé. No fim, redigimos sínteses conclusivas que resumem as posições  expressas pelas duas partes. Os temas discutidos são conhecidos: o  primado e a colegialidade episcopal; a relação entre a Igreja Católica e  as confissões cristãs não católicas; a liberdade religiosa; o missal de  Paulo VI. Ao termo dos colóquios, submeteremos os resultados das  discussões às respectivas instâncias autorizadas para uma avaliação do  conjunto.
Não parece concebível que possa  haver um questionamento do CVII. Então sobre o que podem ser essas  discussões? Sobre uma melhor compreensão dele?
Trata-se da clarificação de pontos para  precisar o significado exato do ensinamento do Concílio. É o que o Santo  Padre começou a fazer em 22 de dezembro de 2005 compreendendo o  Concílio em uma hermenêutica de renovação na continuidade. Entretanto,  existem certas objeções da FSSPX que fazem sentido, pois tem havido uma  interpretação de ruptura. O objetivo é mostrar que é preciso interpretar  o Concílio na continuidade da Tradição da Igreja.
O Cardeal Ratzinger era responsável por estas discussões há 20 anos. Ele ainda segue a evolução delas agora que ele é Papa?
Tem-se primeiro o papel do secretário  que é o de organizar e velar pelo bom desenrolar das discussões. A  avaliação destas cabe ao Santo Padre que segue as discussões, junto com o  cardeal Levada, é informado, e dá a sua opinião. Ele faz o mesmo,  aliás, sobre todos os pontos que pode tratar a Congregação.
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