*Côn. Henrique Soares da    Costa
A liturgia é    o centro da vida da Igreja. É o seu centro porque é celebração do    mistério do Cristo morto e ressuscitado que, pela sua Páscoa,    continuamente nos dá a vida plena, vida em abundância. Quando a Igreja    celebra os santos mistérios e, sobretudo, a Eucaristia, é a própria vida    que brota do Pai pelo Filho no Espírito Santo que ela recebe, a vida de    Deus, vida que renova o mundo, redime do pecado, transfigura a vida,    faz-nos experimentar a eternidade e nos dá força e inspiração para    testemunhar o Reino que Jesus inaugurou. Sem liturgia não haveria    Igreja; haveria somente uma ONG encarregada de recordar Jesus de Nazaré,    promover boas obras sociais e filantrópicas e nos ensinar um moralismo    capenga: devemos ser bonzinhos, devemos ser justos, devemos ser    certinhos... É na liturgia que a Palavra de Deus faz-se sempre atual e a    Páscoa do Senhor acontece no nosso aqui e no nosso agora, fazendo-nos    comungar com as coisas do céu, dando novo sabor às coisas da terra e    desvelando o sentido pleno da nossa existência e da existência de todas    as coisas. 
Infelizmente,    muitos não compreendem isso. É muito comum encontrar até mesmo padres    com formação litúrgica extremamente deficiente. Pensam que a liturgia é    simples cerimônia, ritualismo, e quem gosta de liturgia é porque quer se    esconder da realidade numa alienante fuga ou é apegado a coisas    secundárias como paramentos, coreografias, ritualismos, ornamentações e    coisas do gênero... Triste e grave engano! Não se trata de gostar ou não    de liturgia; trata-se de ter ou não penetrado na essência do    cristianismo! Aqui está em jogo a alma mesma da religião cristã, de tal    modo que podemos afirmar sem medo: quem não compreende a liturgia,    também não compreende o sentido do que Cristo veio fazer, não compreende    o ser e a missão mais profundos da Igreja nem compreende o que é a    salvação. É uma questão gravíssima! Por isso mesmo, vou escrever uma    série de artigos, meio desordenados, sobre temas litúrgicos. Espero, de    coração, que seja de ajuda para que o Povo santo de Deus viva em    profundidade o mistério de nossa fé. 
Comecemos por    definir liturgia. Diz a Igreja que “a liturgia é o exercício do múnus (=    da tarefa, do serviço) sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante    sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal,    realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral    pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros” (SC 7). Trocando em    miúdos: a liturgia não é primeiramente ação da Igreja, ação do homem; é    ação de Cristo morto e ressuscitado na potência do Espírito. Nada que o    homem faça iguala em santidade ou eficácia a ação litúrgica. Outra    coisa: a liturgia, sendo ação de Cristo no Espírito é perfeita    glorificação do Pai e santificação da humanidade; e isso através de    sinais e gestos deste mundo: água, fogo, pão, vinho, óleo... Sendo ação    de Cristo cabeça da Igreja, a liturgia é também ação do Corpo de Cristo,    que é a comunidade dos batizados. Vejamos como. Cristo é Cabeça da    Igreja, que é seu Corpo (cf. Cl 1,18s; Ef 1,22s; 5,23). Sendo assim,    Cristo e a Igreja são uma só realidade: o Cristo Total! O Concílio    Vaticano II afirma: “O Filho de Deus, na natureza humana unida a si,    vencendo a morte por sua morte e ressurreição, remiu e transformou o    homem numa nova criatura (cf. Gl 6,15; 2Cor 5,17). Ao comunicar o seu    Espírito, fez de seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente    os componentes do seu próprio Corpo. (...) É necessário que os membros    se conformem com ele, até que Cristo seja formado neles (cf. Gl 4,19).    Por isso somos inseridos nos mistérios de sua vida, com ele    configurados, com ele mortos e com ele ressuscitados, até que com ele    reinemos (cf. Fl 3,21; 2Tm 2,11; Ef 2,6; Cl 2,12). Peregrinando ainda na    terra, palmilhando em seus vestígios na tribulação e perseguição,    associamo-nos às suas dores como o Corpo à Cabeça, para que, padecendo    com ele, sejamos com ele também glorificados (cf. Rm 8,17)” (LG 7). Esta    idéia é importantíssima, se quisermos compreender o sentido da liturgia.    Cristo morto e ressuscitado nos dá uma vida nova no seu Espírito Santo.    Ora, é nas ações litúrgicas que esse Espírito age, configurando-nos a    Cristo e dando-nos a sua vida. A liturgia, portanto, é isso: a ação pela    qual o Cristo, enviado pelo Pai, nos dá continuamente o seu Espírito    Santo para que nós vivamos a ajamos nele e ele em nós. É o que a Igreja    ensina: “Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre    presente na sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no    sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois aquele que agora    oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu    na cruz, quanto sobretudo nas espécies eucarísticas. Presente está pela    sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é    Cristo mesmo que batiza. Presente está pela sua Palavra, pois é ele    mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja. Está    presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu:    ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio    deles’ (Mt 18,20). Realmente, em tão grande obra, pela qual Deus é    perfeitamente glorificado e os homens são santificados, Cristo sempre    associa a si a Igreja Esposa diletíssima, que invoca seu Senhor e por    ele presta culto ao eterno Pai. (...) Disto se segue que toda celebração    litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de seu Corpo, que é a    Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo    título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (SC 7). 
Então, que    fique bem claro: a liturgia é o que há de mais sagrado na vida cristã.    Por isso mesmo não pode ser banalizada, vulgarizada, desrespeitada.    Tampouco se pode menosprezar as normas litúrgicas, elaborando-se as    celebrações de modo arbitrário, contra as normas da Igreja. Mas, isso    veremos em outros artigos. Para terminar, só mais uma coisa: quais são    as ações propriamente litúrgicas? São elas: a Santa Eucaristia (ou seja,    a Santa Missa), os demais Sacramentos, o Ofício Divino (oração dos    salmos, rezada ao menos cinco vezes por dia em nome da Igreja pelos    ministros sagrados, religiosos e os leigos que o desejarem). Todos esses    modos de oração são normatizados pela Igreja, são ações de todo o Povo    de Deus (= culto público, culto do Povo santo) e não podem ser alterados    arbitrariamente.
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* Cônego Henrique Soares da Costa, autor deste artigo, é hoje bispo auxiliar de Aracaju-SE.
Visto em: http://www.domhenrique.com.br

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