segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Carta do Prelado

Caríssimos: que Jesus guarde as minhas filhas e os meus filhos!

Ao mencionarmos o mês de agosto, vem-nos espontaneamente à cabeça o tesouro da nossa Mãe, porque Ela é o tipo da Igreja. Recorramos a Nossa Senhora, muito particularmente nestas semanas, para que Ela nos obtenha da Trindade uma vida limpa, que facilite a nossa relação com a Verdade em tudo e para tudo, que nos torne mulheres e homens de alma – insisto – limpa, mais leais a Deus; e assim seremos mais Igreja, mais Opus Dei.

Escrevo-vos da terra brasileira, já terminada a Jornada Mundial da Juventude. Foram dias de grande intensidade espiritual, em que estivemos muito próximos do Santo Padre e na companhia dos Bispos, sacerdotes e dos milhões de fiéis que foram ao Rio de Janeiro. Acheguei-me ao Senhor com a vossa oração e com o vosso trabalho para que os frutos espirituais e também os humanos estejam presentes abundantemente em nós e nas pessoas com quem nos relacionamos: oxalá a semente de Deus, que o Espírito Santo espalhou em tantos corações, amadureça para o bem da Igreja e do mundo inteiro.

O mês passado foi pródigo em dons divinos. Começou com a apresentação da encíclica Lumen fidei, com a qual o Papa Francisco completou a trilogia sobre as virtudes teologais iniciada por Bento XVI. Convido-vos a meditá-la pausadamente, para que a nossa inteligência se encha de luzes e a nossa vontade de moções, a fim de que nos comprometamos com mais ardor com a nova evangelização.

No dia 5, data em que a encíclica foi publicada, também se deu a conhecer a aprovação pontifícia do milagre atribuído à intercessão de D. Álvaro, que abre as portas para a sua beatificação, e também do milagre que permitirá a canonização de João Paulo II. Encheu-me de alegria a singular coincidência destes dois atos pontifícios na mesma data, que vejo como manifestação da sintonia espiritual que existiu entre aquele grande Pontífice e o meu queridíssimo predecessor à frente da Obra.

Na encíclica, o Papa recorda que a fé em Jesus Cristo e em tudo aquilo que Ele nos revelou permanece intacta desde os tempos apostólicos. Como isto é possível? Como podemos estar seguros de que chegaremos ao “verdadeiro Jesus” através dos séculos? [1]. A resposta a esta pergunta, formulada por muitos dos nossos contemporâneos, reduz-se, com total fundamento, a uma só: por meio da Igreja. A Igreja, como toda a família, transmite aos seus filhos o conteúdo da sua memória. Como fazê-lo de maneira que nada se perca e, pelo contrário, tudo se aprofunde cada vez mais no patrimônio da fé? Mediante a tradição apostólica, conservada na Igreja com a assistência do Espírito Santo [2].

Essa transmissão da Igreja, sempre atual, está contida principalmente nos Símbolos e também em outros documentos do Magistério que expõem a doutrina da fé; por isso, ao longo destes meses, estamos esforçando-nos por aprofundar no Credo, ajudados pelo Catecismo da Igreja Católica e pelo seu Compêndio, felizes de que a nossa fé também brilhe na vida dos santos ao longo do ano litúrgico. O milagre atribuído à intercessão do queridíssimo D. Álvaro oferece-nos outro acicate para pormos em prática o espírito do Opus Dei, velho como o Evangelho, e como o Evangelho, novo [3]: a busca da santificação na vida corrente, mensagem que Deus confiou a São Josemaria para que o plasmasse na sua alma e na de muitas outras pessoas. Assim que a notícia se tornou pública, sugeri-vos que nos adentrássemos mais na resposta santa de D. Álvaro: na sua fidelidade a Deus, à Igreja e ao Romano Pontífice, na sua plena identificação com o espírito da Obra recebido de São Josemaria, que ele continuou a transmitir-nos em toda a sua integridade.

E agora detenho-me em outra das notas características da Igreja: a santidade. Para ajudar-nos a regozijar-nos com esta realidade, Bento XVI assinalava que ao longo deste ano «será decisivo voltarmos a percorrer a história da nossa fé, que contempla o mistério insondável do entrelaçamento da santidade com o pecado» [4]. A reflexão sobre a santidade da Igreja – manifestada na sua doutrina, nas suas instituições, em tantos filhos e filhas seus ao longo da história – mover-nos-á a uma profunda ação de graças ao Deus três vezes Santo, fonte de toda a santidade, a saber que estamos inseridos na manifestação de amor da Trindade por nós. Como recorremos a cada Pessoa divina? Sentimos a necessidade de amá-las diferenciando-as?

Ao expor a natureza da Igreja, o Concílio Vaticano II destacou três aspectos nos quais o seu mistério se exprime com maior propriedade: o Povo de Deus, o Corpo místico de Cristo, o Templo do Espírito Santo; e o Catecismo da Igreja Católica desenvolve-os amplamente [5]. Em um deles reverbera a nota da santidade, que, como as outras notas, distingue a Igreja de qualquer agrupamento humano.

A denominação Povo de Deus remete ao Antigo Testamento. Javé escolheu Israel como o seu povo peculiar, como anúncio e antecipação do Povo de Deus definitivo que Jesus Cristo ia estabelecer por meio do sacrifício da Cruz. Vós sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa [6]. Gens Sancta, povo santo, composto por criaturas com misérias. Esta aparente contradição marca um aspecto do mistério da Igreja. A Igreja, que é divina, é também humana, porque está formada por homens e nós, os homens, temos defeitos: omnes homines terra et cinis (Ecclo 17, 31),todos somos pó e cinza [7].

Esta realidade tem de mover-nos à contrição, à dor de amor, à reparação, mas nunca ao desalento ou ao pessimismo. Não esqueçamos que o próprio Jesus comparou a Igreja a um campo em que crescem juntos o trigo e o joio; a uma rede de arrasto que apanha peixes bons e peixes maus e que, os quais, só no final dos tempos serão separados definitivamente uns dos outros [8]. Ao mesmo tempo, consideremos que já agora, na terra, o bem é maior que o mal, a graça é mais forte que o pecado, embora às vezes a sua ação seja menos visível. Mas acontece que a santidade pessoal de tantos fiéis – dantes e de agora – não é uma coisa aparatosa. É frequente que não a descubramos nas pessoas normais, correntes e santas, que trabalham e convivem no meio de nós. Para um olhar terreno, o pecado e as faltas de fidelidade ressaltam mais; chamam mais a atenção [9]. O Senhor quer que nós, suas filhas e seus filhos no Opus Dei, e muitos outros cristãos, recordemos a todos os homens e mulheres que receberam essa vocação para a santidade e hão de esforçar-se por corresponder à graça e ser pessoalmente santos [10].

A Igreja é o Corpo místico de Cristo. «Durante o decurso dos tempos, o Senhor Jesus forma a sua Igreja por meio dos sacramentos, que emanam da sua plenitude. Através destes meios, a Igreja faz os seus membros participarem do mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo pela graça do Espírito Santo, que a vivifica e a move» [11].

A Igreja «é, assim, santa, embora abarque no seu seio pecadores, porque não goza de mais vida que a da graça; certamente, os seus membros alimentam-se desta vida, santificam-se; se se afastam, contraem pecados e manchas da alma que impedem que a santidade da Igreja se difunda radiante […]. A Igreja aflige-se e faz penitência por aqueles pecados, e tem o poder de livrar deles por meio do sangue de Cristo e do dom do Espírito Santo» [12].

Antes de mais nada, o corpo remete-nos a uma realidade viva. A Igreja não é uma associação assistencial, cultural ou política, mas é um corpo vivente, que caminha e age na história. E este corpo tem uma cabeça, Jesus, que o guia, o nutre e o sustenta […]. Da mesma forma que num corpo é importante que circule a linfa vital para que viva, assim devemos permitir que Jesus aja em nós, que a sua Palavra nos guie, que a sua presença eucarística nos nutra, nos anime; que o seu amor dê força ao nosso amor ao próximo. E isto sempre! Sempre, sempre! Caros irmãos e irmãs – insistia o Santo Padre –, permaneçamos unidos a Jesus, fixemo-nos nEle, orientemos a nossa vida de acordo com o seu Evangelho, alimentemo-nos com a oração diária, com a escuta da Palavra de Deus, com a participação nos sacramentos [13].

É evidente que o corpo humano se compõe de uma diversidade de órgãos e de membros, cada um com a sua função própria sob o governo da cabeça, para o bem de todo o organismo. Por isso, na Igreja, por vontade de Deus, existe uma variedade, uma diversidade de tarefas e de funções; não existe a uniformidade plana, mas a riqueza dos dons que o Espírito Santo distribui. Mas existe a comunhão e a unidade: todos estão em relação uns com os outros e todos concorrem para formar um único corpo vital, profundamente unido a Cristo [14]. Esta união com Cristo, Cabeça invisível da Igreja, tem de manifestar-se necessariamente na forte união com a Cabeça visível, o Romano Pontífice, e com os Bispos em comunhão com a Sé Apostólica. Como fez São Josemaria, rezemos todos os dias pela unidade de todos na Igreja santa.

Desde há muito tempo, se diz que, no seio do Corpo místico de Cristo, o Paráclito cumpre a função da alma no corpo humano: dá-lhe vida, conserva-o na unidade, torna possível o seu desenvolvimento até alcançar a perfeição que Deus Pai lhe atribuiu. A Igreja não é um entrançado de coisas e de interesses, mas é o Templo do Espírito Santo, o Templo em que Deus age, o Templo em que cada um de nós, com o dom do Batismo, é pedra viva. Isto diz-nos que ninguém é inútil na Igreja […]. Ninguém é secundário [15].

Como membros do mesmo Corpo místico, nós, cristãos, podemos e devemos ajudar-nos uns aos outros a atingir a santidade, por meio da Comunhão dos santos, que confessamos no Símbolo apostólico. Além de exprimir a que todos os fiéis participam das magnalia Dei, das riquezas de Deus (a fé, os sacramentos, os diversos dons espirituais), «a expressão “Comunhão dos santos” também designa a comunhão entre as pessoas santas (sancti), isto é, entre aqueles que, pela graça, estão unidos a Cristo morto e ressuscitado» [16]: os santos do Paraíso, as almas que se purificam no Purgatório, aqueles que, ainda na terra, travam as batalhas da luta interior. Formamos uma só família, a família dos filhos de Deus, para louvor da Santíssima Trindade: com que inteireza cuidamos dela?

São Josemaria cumulava-se de consolo ao meditar esta verdade de fé, que faz com que nenhum batizado possa sentir-se só: nem na sua luta espiritual, nem nas suas dificuldades materiais. Vemos esta segurança em Caminho: Comunhão dos Santos. – Como dizer-te? – Sabes o que são as transfusões de sangue para o corpo? Pois assim vem a ser a Comunhão dos Santos para a alma [17]. Pouco depois, acrescentou: Terás mais facilidade em cumprir o teu dever, se pensares na ajuda que te prestam os teus irmãos e na que deixas de prestar-lhes se não és fiel [18].

Filhas e filhos meus, enchamo-nos sempre de muito ânimo. Ainda que possamos sofrer um tropeço, ainda que por vezes nos sintamos fracos e sem forças na luta espiritual, sempre é possível, com a graça de Deus, retomarmos o caminho rumo à santidade. Estamos rodeados de uma multidão de santos, de pessoas fiéis ao Senhor que começam e recomeçam constantemente na sua vida interior.

Por outro lado, basta-nos erguer os olhos para o Céu. E a esta certeza também nos convida a grande solenidade que celebraremos no dia 15: a Assunção da Santíssima Virgem. Firmados na intercessão de Jesus Cristo, que roga a Deus Pai constantemente por todos nós [19], como é grande o consolo, como é pleno o amparo que a contemplação da nossa Mãe nos traz, sempre empenhada na salvação dos cristãos e de todos os homens! Na Santíssima Virgem, a Igreja já chegou à perfeição, em virtude da qual não tem mancha nem ruga [20]. Nós, todos os fiéis, ainda nos esforçamos por vencer nesta nobre tarefa da santidade, afastando-nos inteiramente do pecado; e por isso levantamos os olhos para Maria, que resplandece como modelo de virtudes para toda a comunidade dos eleitos [21]. Assim, recorramos a Ela em todas as vicissitudes da Igreja e nas pessoais de cada um de nós. Mãe! – Chama-a bem alto, bem alto. – Ela, tua Mãe Santa Maria, te escuta, te vê em perigo talvez, e te oferece, com a graça de seu Filho, o consolo de seu regaço, a ternura de suas carícias. E te encontrarás reconfortado para a nova luta [22].

Que este clamor de oração suba ao Céu com muita força, a partir da terra inteira, ao renovarmos a consagração do Opus Dei ao Coração dulcíssimo e imaculado de Maria no próximo dia 15. Unidos fortemente na oração, peçamos à bondade divina todas as graças de que o mundo, a Igreja e cada um de nós necessitamos.

Com todo o afeto, abençoa-vos

o vosso Padre

+ Javier

Sítio da Aroeira, 1º de agosto de 2013.

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