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domingo, 2 de setembro de 2012

A aposta do Papa para promover o latim.

Bento XVI publicará um “motu proprio” para estabelecer a Pontifícia Academia Latinitatis. No Vaticano, traduzem “endereço de e-mail” por “inscriptio cursus electronici”.
 
Por Andrea Tornielli | Tradução: Fratres in Unum.com - «Foveatur lingua latina». O Papa Ratzinger espera que cresça o conhecimento da língua de Cícero, de Agostinho e de Erasmo de Rotterdam no âmbito da Igreja, mas também na sociedade civil e na escola, motivo pelo qual está prestes a publicar um “motu proprio” no qual institui a nova Pontifícia Academia Latinitatis. Até agora, quem se ocupava de manter vivo o latim era a fundação “Latinitas”, sob controle da Secretaria de Estado, e que deixará de existir: além de publicar a revista de mesmo nome e organizar o concurso internacional “Certamen Vaticanum” de poesia e prosa latina, esta fundação se ocupou de traduzir para o latim um enorme quantidade de termos modernos.
 
A iminente instituição da nova Academia Pontifícia, que se juntará às onze já existentes (entre as quais as mais famosas, dedicadas às ciências e à vida) foi confirmada em uma carta que o Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, enviou ao Padre Romano Nicolini, um sacerdote de Rímini comprometido com o retorno das aulas de latim às escolas secundárias. Ravasi recordou que a iniciativa da Academia é um desejo “do Santo Padre” e que será promovida pelo dicastério vaticano que se ocupa da cultura: farão parte dela “eminentes estudiosos de diferentes nacionalidades, com a finalidade de promover o uso e o conhecimento da língua latina, tanto no âmbito eclesiástico como no civil e, portanto, escolar”. Uma forma de responder, conclui o Cardeal em sua carta, “a numerosos pedidos que nos chegam de diferentes partes do mundo”.
 
Passaram-se 50 anos desde que João XXIII, no limiar do Concílio, promulgou a Constituição Apostólica “Veterum Sapientia”, para definir o latim como língua imutável da Igreja e enfatizar a sua importância, pelo que pedia às escolas e universidades católicas que voltassem a ensiná-lo, caso tivessem cancelado ou reduzido sua presença nas grades escolares. O Vaticano II estabeleceria que se mantivesse o latim em algumas partes da missa, mas a reforma litúrgica pós-conciliar aboliria todo vestígio seu no uso cotidiano. Assim, enquanto há 50 anos todos os prelados do mundo conseguiam se entender falando o idioma de César e os fiéis mantinham um contrato cotidiano semanal com ele, hoje, na Igreja, o latim não goza de boa saúde; e são muitos ambientes leigos os que mostram interesse em promover esta iniciativa.
 
De toda forma, continuam trabalhando no Vaticano estudiosos que propõem neologismos para traduzir as encíclicas papais e os documentos oficiais. Um trabalho bastante árduo foi a tradução para o latim da última encíclica de Bento XVI, a “Caritas in veritate” (Julho de 2009), dedicada às emergências sociais e à crise econômico-financeira. Algumas decisões dos latinistas da Santa Sé foram criticadas por “La Civiltà Cattolica”, a prestigiosa revista dos jesuítas, que considerou discutíveis as traduções «plenior libertas» para libertação e «fanaticus furor» para fanatismo. Entre as curiosidades, as expressões «fontes alterius generis» para traduzir fontes alternativas e «fontes energiae qui non renovantur» para os recursos energéticos não renováveis.
 
A decisão do Papa de instituir uma nova Academia Pontifícia é um sinal muito significativo de renovada atenção. “O latim educa para que se estime as coisas belas — explica Nicolini, que difundiu nas escolas secundárias italianas 10 mil cópias de um opúsculo gratuito de introdução à lingua latina e que está divulgando o pedido para que o latim volte a circular entre as matérias escolares — e também nos educa a dar importância às nossas raízes”.
 
Entre os que se ocupam de renovar o léxico latino, a fim de comunicar em nossos dias através da língua de Virgílio, encontra-se Padre Roberto Spataro, de 47 anos, professor de literatura cristã antiga e secretário do Pontifício Institutum Altioris Latinitatis, que Paulo VI instituiu na atual Universidade Salesiana de Roma. “Como traduziria ‘corvo’? Esperava esta pergunta… bem… diria: ‘Domesticus delator’ ou ‘intestinus proditor’”, responde o sacerdote. Também explica como nascem os neologismos latinos: “Existem duas correntes de pensamento. A primeira, que se poderia definir ‘anglo-saxã’, considera que antes de criar um neologismo para traduzir palavras modernas, é necessário buscar entre tudo o que se escreveu em latim ao longo dos séculos, e naõ só no latim clássico. A outra corrente, que por comodidade definirei ‘latina’, considera que podemos ser mais livres ao criar uma circunlocução que transmita bem a idéia e o significado da palavra moderna, mas mantendo o sabor do latim clássico ciceroniano”.
 
Spataro pertence à segunda corrente e convida a “folhear a última edição do ‘Lexicon recentis latinitatis’, editado pelo Padre Cleto Pavanetto, excelente latinista salesiano, e que foi publicado em 2003, com mais de 15 mil vocábulos modernos traduzidos ao latim”. Por exemplo, fotocópia se traduz como “exemplar luce expressum”, nota de dinheiro se converte em “charta nummária”, basquetebol se torna “follis canistrīque ludus”, best-seller é “liber máxime divénditus”, as calças jeans são “bracae línteae caerúleae”, enquanto o gol é “retis violátio”.
 
Os “hot pants” [ndr: micro shorts femininos absolutamente imodestos] se tornam ““brevíssimae bracae femíneae”, o IVA [ndr: "Imposto sobre Valor Agregado", incidente sobre todos os produtos ou serviços na União Européia] se traduz como “fiscāle prétii additamentum”, a “mountain bike” é “bírota montāna”, o pára-quedas é “umbrella descensória”. No “Lexicon” faltam as referências à internet. “Efetivamente, elas não existem — explica Pe. Spataro –, mas nos últimos nove anos foram cunhadas novas expressões entre os que escrevem e falam latim. Assim, internet é ‘inter rete’ e endereço de e-mail é ‘inscriptio cursus electronici’”.

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