Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no Episcopado e no
Presbiterado,
Amados irmãos e irmãs!
Um momento como este que vivemos hoje se reveste sempre de particular
intensidade. O Santo Natal já está perto e a grande família da Cúria Romana
sente-se impelida a reunir-se para trocar entre si venturosos votos que encerram
o desejo de viver, com alegria e verdadeiro fruto espiritual, a festa de Deus
que encarnou e pôs a sua tenda no meio de nós (cf. Jo 1, 14).
Esta ocasião permite-me não só apresentar-vos os meus votos pessoais,
mas também exprimir a cada um de vós o agradecimento, meu e da Igreja, pelo
vosso generoso serviço; peço-vos que o façais chegar também a todos os
colaboradores que formam a nossa grande família. Um obrigado particular ao
Cardeal Decano Ângelo Sodano, que se fez intérprete dos sentimentos dos
presentes e de quantos trabalham nos diversos Departamentos da Cúria, do
Governo, incluindo aqueles que realizam o seu ministério nas Representações
Pontifícias espalhadas por todo o mundo. Todos nós estamos empenhados em fazer
com que o pregão que os Anjos proclamaram na noite de Belém – «Glória a Deus nas
alturas e paz na terra aos homens do seu agrado» (Lc 2, 14) – ressoe
por toda a terra levando alegria e esperança.
No fim deste ano, a Europa encontra-se no meio duma crise econômica e
financeira que, em última análise, se fundamenta na crise ética que ameaça o
Velho Continente. Embora certos valores como a solidariedade, o serviço
aos outros, a responsabilidade pelos pobres e atribulados sejam em grande parte
compartilhados, todavia falta muitas vezes a força capaz de motivar e induzir o
indivíduo e os grandes grupos sociais a abraçarem renúncias e
sacrifícios.
O conhecimento e a vontade caminham,
necessariamente, lado a lado. A vontade de preservar o lucro pessoal
obscurece o conhecimento e este, enfraquecido, é incapaz de revigorar a
vontade. Por isso, desta crise surgem interrogações fundamentais: Onde
está a luz que possa iluminar o nosso conhecimento não apenas com ideias gerais,
mas também com imperativos concretos? Onde está a força que sublime a nossa
vontade? São questões às quais o nosso anúncio do Evangelho, a nova
evangelização, deve dar resposta, para que a mensagem se torne acontecimento, o
anúncio se torne vida.
Com efeito, a grande temática tanto deste ano como dos anos futuros
gira à volta disto: Como anunciar hoje o Evangelho? Como pode a fé,
enquanto força viva e vital, tornar-se realidade hoje?
Os
acontecimentos eclesiais deste ano que está a terminar referiam-se todos, em
última análise, a este tema. Entre eles contam-se as minhas viagens à Croácia, a Espanha para a Jornada Mundial da Juventude, à minha
pátria da Alemanha e, por fim, à África – ao Benim – para a entrega da Exortação pós-sinodal sobre justiça, paz e
reconciliação; documento este, que se deve traduzir em realidade
concreta nas diversas Igrejas particulares. Não posso esquecer também as viagens a Veneza, a São Marino, a Ancona para o Congresso Eucarístico e à Calábria. E tivemos, enfim, a significativa jornada de Assis, com o encontro entre as religiões e
entre as pessoas em busca de verdade e de paz; jornada concebida como um novo
impulso na peregrinação para a verdade e a paz. A instituição do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova
Evangelização constitui, simultaneamente, um prenúncio do Sínodo
sobre o mesmo tema que terá lugar no próximo ano.
E entra também neste
contexto o Ano da Fé, na comemoração da abertura do Concílio há cinquenta anos. Cada um
destes acontecimentos revestiu-se de acentuações próprias. Na Alemanha, país
onde teve origem a Reforma, naturalmente teve uma importância particular a
questão ecumênica com todas as suas fadigas e esperanças. Indivisivelmente
associada com ela, levanta-se sempre de novo, no centro da disputa, a questão:
O que é uma reforma da Igreja? Como se realiza? Quais são os seus
caminhos e os seus objetivos? É com preocupação que fiéis crentes, e
não só, notam como as pessoas que frequentam regularmente a Igreja se
vão tornando sempre mais idosas e o seu número diminui continuamente; notam como
se verifica uma estagnação nas vocações ao sacerdócio; como crescem o cepticismo
e a descrença. Então que devemos fazer? Existem discussões sem fim a
propósito do que se deve fazer para haver uma inversão de tendência. Há, sem
dúvida, tantas coisas que é preciso fazer; mas o fazer, por si só, não resolve o
problema. O cerne da crise da Igreja na Europa, como disse em Friburgo, é a crise da fé.
Se não encontrarmos uma resposta para esta crise, ou seja, se a fé não
ganhar de novo vitalidade, tornando-se uma convicção profunda e uma força real
graças ao encontro com Jesus Cristo, permanecerão ineficazes todas as outras
reformas.
Neste sentido, o encontro com a jubilosa paixão pela fé, na
África, foi um grande encorajamento. Lá não se sentia qualquer indício
desta lassidão da fé, tão difusa entre nós, não havia nada deste tédio
de ser cristão que se constata sempre de novo no meio de nós. Apesar de
todos os problemas, de todos os sofrimentos e penas que existem, sem dúvida,
precisamente na África, sempre se palpava a alegria de ser cristão, o ser
sustentado pela felicidade interior de conhecer Cristo e pertencer à sua Igreja.
E desta alegria nascem também as energias para servir Cristo nas
situações opressivas de sofrimento humano, para se colocar à sua disposição em
vez de acomodar-se no próprio bem-estar. Encontrar esta fé disposta ao
sacrifício e, mesmo no meio deste, jubilosa é um grande remédio contra a
lassidão de ser cristão que experimentamos na Europa.
E um remédio contra a lassidão do crer foi também a magnífica
experiência da Jornada Mundial da Juventude, em Madrid. Esta foi uma
nova evangelização ao vivo. De forma cada vez mais clara vai-se
delineando, nas Jornadas Mundiais da Juventude, um modo novo e
rejuvenescido de ser cristão, que poder-se-ia caracterizar em cinco
pontos.
1. Em primeiro lugar, há uma nova experiência da catolicidade,
da universalidade da Igreja. Foi isto que impressionou, de forma muito
viva e imediata, os jovens e todos os presentes: Vimos de todos os continentes
e, apesar de nunca nos termos visto antes, conhecemo-nos. Falamos
línguas diferentes e possuímos costumes de vida diversos e formas culturais
diversas; e, no entanto, sentimo-nos imediatamente unidos como uma grande
família. Separação e diversidade exteriores ficaram relativizadas.
Todos nós somos tocados pelo mesmo e único Senhor Jesus Cristo, no qual
se nos manifestou o verdadeiro ser do homem e, conjuntamente, o próprio Rosto de
Deus. As nossas orações são as mesmas. Em virtude do
mesmo encontro interior com Jesus Cristo, recebemos no
mais íntimo de nós mesmos a mesma formação da razão, da vontade e do
coração. E, por fim, a liturgia comum constitui uma espécie de
pátria do coração e une-nos numa grande família. Aqui o fato de todos
os seres humanos serem irmãos e irmãs não é apenas uma ideia, mas torna-se uma
experiência comum real, que gera alegria. E assim compreendemos também
de maneira muito concreta que, apesar de todas as fadigas e obscuridades, é bom
pertencer à Igreja universal que o Senhor nos deu.
2. E disto nasce, depois, um novo modo de viver o ser homem, o
ser cristão. Para mim, uma das experiências mais importantes daqueles
dias foi o encontro com os voluntários da Jornada Mundial da
Juventude: eram cerca de 20.000 jovens, tendo todos, sem exceção,
disponibilizado semanas ou meses da sua vida para colaborar na preparação
técnica, organizativa e temática das atividades da JMJ, e tornando, precisamente
assim, possível o desenvolvimento regular de tudo. Com o próprio tempo,
o homem oferece sempre uma parte da sua própria vida.
No fim, estes jovens estavam, visível e
«palpavelmente», inundados duma grande sensação de felicidade: o seu tempo tinha
um sentido; precisamente no dom do seu tempo e da sua força laboral, encontraram
o tempo, a vida. E, então, se tornou para mim evidente uma coisa
fundamental: estes jovens ofereceram, na fé, um pedaço de vida, e não
porque isso lhes fora mandado, nem porque se ganha o céu com isso, nem mesmo
porque assim se escapa ao perigo do inferno. Não o fizeram, porque queriam ser
perfeitos. Não olhavam para trás, para si mesmos. Passou-me pela mente
a imagem da mulher de Lot, que, olhando para trás, se transformou numa estátua
de sal. Quantas vezes a vida dos cristãos se caracteriza pelo fato de
olharem, sobretudo, para si mesmos; por assim dizer, fazem o bem para si
mesmos. E como é grande, para todos os homens, a tentação de se
preocuparem antes de mais nada consigo mesmos, de olharem para trás para si
mesmos, tornando-se assim interiormente vazios, «estátuas de sal»!
Em Madrid, ao contrário, não se tratava de aperfeiçoar-se a si
mesmo ou de querer conservar a própria vida para si mesmo. Estes jovens fizeram
o bem – sem olhar ao peso e aos sacrifícios que o mesmo exigia – simplesmente
porque é bom fazer o bem, é bom servir os outros. É preciso
apenas ousar o salto. Tudo isto é antecedido pelo encontro com Jesus
Cristo, um encontro que acende em nós o amor a Deus e aos outros e nos liberta
da busca do nosso próprio «eu». Assim recita uma oração atribuída a São
Francisco Xavier: Faço o bem, não porque em troca entrarei no céu, nem porque de
contrário me poderíeis mandar para o inferno. Faço-o por Vós, que sois o meu Rei
e meu Senhor.
E o mesmo comportamento fui encontrá-lo também na
África, por exemplo, nas Irmãs de Madre Teresa que se prodigalizam pelas crianças abandonadas, doentes, pobres e atribuladas,
sem se importarem consigo mesmas, tornando-se, precisamente assim, interiormente
ricas e livres. Tal é o comportamento propriamente cristão. Para mim, ficou
memorável também o encontro com os jovens deficientes na fundação de São José, em
Madrid, onde voltei a encontrar a mesma generosidade de colocar-se à
disposição dos outros; uma generosidade que, em última análise, nasce do
encontro com Cristo que Se entregou a Si mesmo por nós.
3. Um terceiro elemento que vai, de forma cada vez mais natural e
central, fazendo parte das Jornadas Mundiais da Juventude e da espiritualidade
que delas deriva, é a adoração. Restam inesquecíveis em mim aqueles momentos no
Hydepark, durante a minha viagem à Inglaterra, quando dezenas de milhares de
pessoas, na sua maioria jovens, responderam à presença do Senhor no
Santíssimo Sacramento com um profundo silêncio, adorando-O. E sucedeu o
mesmo, embora em medida menor, em Zagreb e de novo em Madrid depois do temporal que ameaçava arruinar todo
o encontro noturno por causa dos microfones que não funcionavam.
Deus é, sem dúvida, onipresente; mas a presença corpórea de
Cristo ressuscitado constitui algo mais, constitui algo de novo.
O Ressuscitado entra no meio de nós. E então não podemos senão
dizer como o apóstolo Tomé: Meu Senhor e meu Deus! A adoração é, antes
de mais nada, um ato de fé; o ato de fé como tal. Deus não é uma hipótese
qualquer, possível ou impossível, sobre a origem do universo. Ele está ali. E se
Ele está presente, prostro-me diante Dele. Então a razão, a vontade e o
coração abrem-se para Ele e a partir Dele. Em Cristo ressuscitado, está
presente Deus feito homem, que sofreu por nós porque nos ama. Entramos nesta
certeza do amor corpóreo de Deus por nós, e fazemo-lo amando com Ele. Isto é
adoração, e isto confere depois um cunho próprio à minha vida. E só assim posso
celebrar convenientemente a Eucaristia e receber devidamente o Corpo do
Senhor.
4. Outro elemento importante das Jornadas Mundiais da Juventude
é a presença do sacramento da Penitência, que tem vindo, com
naturalidade sempre maior, a fazer parte do conjunto. Deste modo,
reconhecemos que necessitamos continuamente de perdão e que perdão
significa responsabilidade. Proveniente do Criador, existe no
homem a disponibilidade para amar e a capacidade de responder a Deus na fé. Mas,
proveniente da história pecaminosa do homem (a doutrina da Igreja fala
do pecado original), existe também a tendência contrária ao amor: a
tendência para o egoísmo, para se fechar em si mesmo, ou melhor, no mal.
Incessantemente a minha alma fica manchada por esta força de gravidade
em mim, que me atrai para baixo. Por isso, temos necessidade da humildade que
sempre de novo pede perdão a Deus, que se deixa purificar e que desperta em nós
a força contrária, a força positiva do Criador, que nos atrai para o
alto.
5. Por fim, como última característica, que não se deve descurar na
espiritualidade das Jornadas Mundiais da juventude, quero mencionar a
alegria. De onde brota? Como se explica?
Seguramente são muitos
os fatores que interagem; mas, a meu ver, o fator decisivo é esta
certeza que deriva da fé: Eu sou desejado; tenho uma tarefa; sou aceite, sou
amado.
Josef Pieper mostrou, no seu livro sobre o amor, que o
homem só se pode aceitar a si mesmo, se for aceite por outra pessoa qualquer.
Precisa que haja outra pessoa que lhe diga, e não só por palavras: É bom que tu
existas. Somente a partir de um «tu» é que o «eu» pode encontrar-se si mesmo. Só
se for aceite, é que o «eu» se pode aceitar a si mesmo. Quem não é
amado, também não se pode amar a si mesmo. Este saber-se acolhido
provém, antes de tudo, doutra pessoa.
Entretanto todo o acolhimento
humano é frágil; no fim de contas, precisamos de um acolhimento incondicional;
somente se Deus me acolher e eu estiver seguro disso mesmo é que sei
definitivamente: É bom que eu exista; é bom ser uma pessoa humana.
Quando falta ao homem a percepção de ser acolhido por
Deus, de ser amado por Ele, a pergunta sobre se existir como pessoa humana seja
verdadeiramente coisa boa, deixa de encontrar qualquer resposta; torna-se cada
vez mais insuperável a dúvida acerca da existência humana. Onde se torna
predominante a dúvida sobre Deus, acaba inevitavelmente por seguir-se a dúvida
acerca do meu ser homem.
Hoje vemos quão difusa é esta
dúvida! Vemo-lo na falta de alegria, na tristeza interior que se pode ler em
muitos rostos humanos. Só a fé me dá esta certeza: É bom que eu exista; é bom
existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis. A fé faz-nos felizes a
partir de dentro. Esta é uma das maravilhosas experiências das Jornadas Mundiais
da Juventude.
Alongaria demasiado o nosso encontro falar agora também, de modo
detalhado, do encontro de Assis, como a importância do
acontecimento mereceria. Limitamo-nos a agradecer a Deus, porque nós –
os representantes das religiões do mundo e também os representantes do
pensamento em busca da verdade – pudemos, naquele dia,
encontrar-nos num clima de amizade e de respeito mútuo, no amor à
verdade e na responsabilidade comum pela paz. Por isso podemos esperar que,
daquele encontro, tenha nascido uma disponibilidade nova para servir a paz, a
reconciliação e a justiça.
Queria enfim agradecer do íntimo do coração a todos vós pelo apoio que
prestais para levar por diante a missão que o Senhor nos confiou como
testemunhas da sua verdade, e desejo a todos vós a alegria que Deus nos quis dar
na encarnação do seu Filho. Um santo Natal!
De: http://noticias.cancaonova.com/noticia.php?id=284680
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