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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Temas de Liturgia - I


*Côn. Henrique Soares da Costa
            
A liturgia é o centro da vida da Igreja. É o seu centro porque é celebração do mistério do Cristo morto e ressuscitado que, pela sua Páscoa, continuamente nos dá a vida plena, vida em abundância. Quando a Igreja celebra os santos mistérios e, sobretudo, a Eucaristia, é a própria vida que brota do Pai pelo Filho no Espírito Santo que ela recebe, a vida de Deus, vida que renova o mundo, redime do pecado, transfigura a vida, faz-nos experimentar a eternidade e nos dá força e inspiração para testemunhar o Reino que Jesus inaugurou. Sem liturgia não haveria Igreja; haveria somente uma ONG encarregada de recordar Jesus de Nazaré, promover boas obras sociais e filantrópicas e nos ensinar um moralismo capenga: devemos ser bonzinhos, devemos ser justos, devemos ser certinhos... É na liturgia que a Palavra de Deus faz-se sempre atual e a Páscoa do Senhor acontece no nosso aqui e no nosso agora, fazendo-nos comungar com as coisas do céu, dando novo sabor às coisas da terra e desvelando o sentido pleno da nossa existência e da existência de todas as coisas.
           
Infelizmente, muitos não compreendem isso. É muito comum encontrar até mesmo padres com formação litúrgica extremamente deficiente. Pensam que a liturgia é simples cerimônia, ritualismo, e quem gosta de liturgia é porque quer se esconder da realidade numa alienante fuga ou é apegado a coisas secundárias como paramentos, coreografias, ritualismos, ornamentações e coisas do gênero... Triste e grave engano! Não se trata de gostar ou não de liturgia; trata-se de ter ou não penetrado na essência do cristianismo! Aqui está em jogo a alma mesma da religião cristã, de tal modo que podemos afirmar sem medo: quem não compreende a liturgia, também não compreende o sentido do que Cristo veio fazer, não compreende o ser e a missão mais profundos da Igreja nem compreende o que é a salvação. É uma questão gravíssima! Por isso mesmo, vou escrever uma série de artigos, meio desordenados, sobre temas litúrgicos. Espero, de coração, que seja de ajuda para que o Povo santo de Deus viva em profundidade o mistério de nossa fé.
           
Comecemos por definir liturgia. Diz a Igreja que “a liturgia é o exercício do múnus (= da tarefa, do serviço) sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo Corpo Místico de Cristo, Cabeça e membros” (SC 7). Trocando em miúdos: a liturgia não é primeiramente ação da Igreja, ação do homem; é ação de Cristo morto e ressuscitado na potência do Espírito. Nada que o homem faça iguala em santidade ou eficácia a ação litúrgica. Outra coisa: a liturgia, sendo ação de Cristo no Espírito é perfeita glorificação do Pai e santificação da humanidade; e isso através de sinais e gestos deste mundo: água, fogo, pão, vinho, óleo... Sendo ação de Cristo cabeça da Igreja, a liturgia é também ação do Corpo de Cristo, que é a comunidade dos batizados. Vejamos como. Cristo é Cabeça da Igreja, que é seu Corpo (cf. Cl 1,18s; Ef 1,22s; 5,23). Sendo assim, Cristo e a Igreja são uma só realidade: o Cristo Total! O Concílio Vaticano II afirma: “O Filho de Deus, na natureza humana unida a si, vencendo a morte por sua morte e ressurreição, remiu e transformou o homem numa nova criatura (cf. Gl 6,15; 2Cor 5,17). Ao comunicar o seu Espírito, fez de seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes do seu próprio Corpo. (...) É necessário que os membros se conformem com ele, até que Cristo seja formado neles (cf. Gl 4,19). Por isso somos inseridos nos mistérios de sua vida, com ele configurados, com ele mortos e com ele ressuscitados, até que com ele reinemos (cf. Fl 3,21; 2Tm 2,11; Ef 2,6; Cl 2,12). Peregrinando ainda na terra, palmilhando em seus vestígios na tribulação e perseguição, associamo-nos às suas dores como o Corpo à Cabeça, para que, padecendo com ele, sejamos com ele também glorificados (cf. Rm 8,17)” (LG 7). Esta idéia é importantíssima, se quisermos compreender o sentido da liturgia. Cristo morto e ressuscitado nos dá uma vida nova no seu Espírito Santo. Ora, é nas ações litúrgicas que esse Espírito age, configurando-nos a Cristo e dando-nos a sua vida. A liturgia, portanto, é isso: a ação pela qual o Cristo, enviado pelo Pai, nos dá continuamente o seu Espírito Santo para que nós vivamos a ajamos nele e ele em nós. É o que a Igreja ensina: “Para levar a efeito obra tão importante Cristo está sempre presente na sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz, quanto sobretudo nas espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está pela sua Palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu: ‘Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles’ (Mt 18,20). Realmente, em tão grande obra, pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens são santificados, Cristo sempre associa a si a Igreja Esposa diletíssima, que invoca seu Senhor e por ele presta culto ao eterno Pai. (...) Disto se segue que toda celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote, e de seu Corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (SC 7).
           
Então, que fique bem claro: a liturgia é o que há de mais sagrado na vida cristã. Por isso mesmo não pode ser banalizada, vulgarizada, desrespeitada. Tampouco se pode menosprezar as normas litúrgicas, elaborando-se as celebrações de modo arbitrário, contra as normas da Igreja. Mas, isso veremos em outros artigos. Para terminar, só mais uma coisa: quais são as ações propriamente litúrgicas? São elas: a Santa Eucaristia (ou seja, a Santa Missa), os demais Sacramentos, o Ofício Divino (oração dos salmos, rezada ao menos cinco vezes por dia em nome da Igreja pelos ministros sagrados, religiosos e os leigos que o desejarem). Todos esses modos de oração são normatizados pela Igreja, são ações de todo o Povo de Deus (= culto público, culto do Povo santo) e não podem ser alterados arbitrariamente.

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* Cônego Henrique Soares da Costa, autor deste artigo, é hoje bispo auxiliar de Aracaju-SE.

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