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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Uma tradição ininterrupta


2. A natureza sacrificial da Missa, solenemente afirmada pelo Concílio de Trento[1], de acordo com toda a tradição da Igreja, foi mais uma vez formulada pelo II Concílio do Vaticano, quando, a respeito da Missa, proferiu estas significativas palavras: “O nosso Salvador, na última Ceia, instituiu o sacrifício eucarístico do seu Corpo e Sangue, com o fim de perpetuar através dos séculos, até à sua vinda, o sacrifício da cruz e, deste modo, confiar à Igreja, sua amada Esposa, o memorial da sua Morte e Ressurreição” [2].
Esta doutrina do Concílio, encontramo-la expressamente enunciada, de modo constante, nos próprios textos da Missa. Assim, o que já no antigo Sacramentário, vulgarmente chamado Leoniano, se exprimia de modo inequívoco nesta frase: “todas as vezes que celebramos o memorial deste sacrifício, realiza-se a obra da nossa redenção”[3], aparece-nos desenvolvido com toda a clareza e propriedade nas Orações Eucarísticas. Com efeito, no momento em que o sacerdote faz a anamnese, dirigindo-se a Deus, em nome de todo o povo, dá-Lhe graças e oferece-Lhe o sacrifício vivo e santo, isto é, a oblação apresentada pela Igreja e a Vítima, por cuja imolação quis o mesmo Deus ser aplacado[4]; e pede que o Corpo e Sangue de Cristo sejam sacrifício agradável a Deus Pai e salvação para todo o mundo[5].
Deste modo, no novo Missal, a norma da oração (lex orandi) da Igreja está em consonância perfeita com a perene norma de fé (lex credendi). Esta ensina-nos que, excepto o modo de oferecer, que é diverso, existe perfeita identidade entre o sacrifício da cruz e a sua renovação sacramental na Missa por Cristo Senhor instituída na última Ceia, ao mandar aos Apóstolos que a celebrassem em memória d’Ele. Consequentemente, a Missa é ao mesmo tempo sacrifício de louvor, de acção de graças, de propiciação e de satisfação.
6. Ao enunciar os princípios que deveriam presidir à revisão do Ordo Missae, o II Concílio do Vaticano, servindo-se dos mesmos termos usados por S. Pio V na Bula Quo primum, que promulgava o Missal Tridentino de 1570, determina, entre outras coisas, que certos ritos sejam restaurados “em conformidade com a antiga norma dos Santos Padres”[11]. Na própria concordância de termos, pode já verificar-se como, não obstante o espaço de quatro séculos que medeia entre eles, ambos os Missais Romanos seguem a mesma tradição. E, se examinarmos atentamente os elementos mais profundos desta tradição, veremos também como, de uma forma muito feliz, o segundo Missal vem aperfeiçoar o primeiro.
7. Numa época particularmente difícil como aquela, em que estava em perigo a fé católica sobre o carácter sacrificial da Missa, sobre o sacerdócio ministerial, sobre a presença real e permanente de Cristo sob as espécies eucarísticas, o que mais preocupava S. Pio V era salvaguardar uma tradição, algo recente, é certo, mas injustamente atacada, e, consequentemente, introduzir o mínimo de alterações nos ritos sagrados. De facto, este Missal de 1570 pouco difere do primeiro impresso em 1474, o qual, por sua vez, reproduz fielmente o Missal do tempo de Inocêncio III. Além disso, se bem que os códices da Biblioteca Vaticana tenham ajudado a corrigir algumas expressões, não permitiram, naquela diligente investigação dos “antigos e mais fidedignos autores” ir além dos comentários litúrgicos da Idade Média.
8. Pelo contrário, hoje em dia, aquela “norma dos Santos Padres”, que os correctores do Missal de S. Pio V se propunham seguir, encontra-se enriquecida com numerosos estudos de eruditos. Com efeito, após a primeira edição do chamado Sacramentário Gregoriano, publicado em 1571, os antigos Sacramentários Romanos e Ambrosianos, bem como os antigos livros litúrgicos Hispânicos e Galicanos, têm sido objecto de várias edições críticas, que deram a conhecer numerosíssimas orações de grande valor espiritual, até então desconhecidas.
Além disso, após a descoberta de numerosos documentos litúrgicos, também se conhecem melhor as tradições dos primeiros séculos, anteriores à formação dos ritos do Oriente e do Ocidente.
Há ainda a acrescentar o progresso dos estudos patrísticos, que veio projectar nova luz sobre a teologia do mistério eucarístico, ilustrando-a com a doutrina dos mais eminentes Padres da antiguidade cristã, tais como S. Ireneu, S. Ambrósio, S. Cirilo de Jerusalém, S. João Crisóstomo.
9. Por isso, a “norma dos Santos Padres” não reclama somente a conservação daquelas tradições que nos legaram os nossos antepassados imediatos; exige também que se abranja e examine mais profundamente todo o passado da Igreja e todos esses diversos modos pelos quais se exprimiu a única e mesma fé, através das mais variadas formas de cultura e civilização, como as que correspondem às regiões semitas, gregas e latinas. Esta mais ampla perspectiva permite-nos descobrir como o Espírito Santo inspira ao povo de Deus uma admirável fidelidade na guarda imutável do depósito da fé, por mais variadas que se apresentem as formas da oração e dos ritos sagrados.


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