A Trindade pode ser estudada sob diversos aspectos: estudo das processões (procedência, origem), estudo das relações e estudo das pessoas, sendo este último dividido em estudo das pessoas consideradas absolutamente e relativamente por comparação. Esse artigo pretende somente abordar as pessoas divinas de per si, naquilo que se distinguem umas das outras.
As Pessoas divinas são realmente distintas entre Si. Deus é único, mas não solitário. Pai, Filho e Espírito Santo não são simplesmente nomes que designam modalidades do Ser divino, pois são realmente distintos entre Si: Aquele que é o Pai não é o Filho e Aquele que é o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai ou o Filho. São distintos entre Si pelas suas relações de origem: é o Pai que gera, o Filho que é gerado e o Espírito Santo que procede. A Unidade divina é Trina (CIC§254).
Pode-se afirmar que é impossível chegar ao conhecimento das pessoas da Trindade pela razão natural. Isso porque, pela razão natural, o homem é levado ao conhecimento de Deus a partir do conhecimento das criaturas, como o estudo do efeito leva ao conhecimento da causa - ou seja - um conhecimento incompleto. Conclui-se, ainda, que com a razão natural se pode chegar a ter conhecimento do que pertence à unidade de essência, mas não do que pertence à distinção das pessoas divinas. Somente conhecemos, portanto, o que nos foi revelado:
“Entretanto, o que pregamos entre os perfeitos é uma sabedoria, porém não a sabedoria deste mundo nem a dos grandes deste mundo, que são, aos olhos daquela, desqualificados. Pregamos a sabedoria de Deus, misteriosa e secreta, que Deus predeterminou antes de existir o tempo, para a nossa glória. Sabedoria que nenhuma autoridade deste mundo conheceu (pois se a houvessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória). É como está escrito: Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Todavia, Deus no-las revelou pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus.”(1Cor 2,6-10)
“Deus dispôs na sua bondade e sabedoria revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e tornam-se participantes da natureza divina” (Dei Verbum, 2).
Quando Deus criou o homem, disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gen.I,26). O plural, proposital, indica uma ação conjunta das três pessoas divinas. No que se refere às suas relações com as criaturas, as três pessoas divinas não diferem, portanto é impossível para nós apreender seus atributos pela mera observação dessas relações (ad extra). Somente nas relações internas (ad intra) é que podemos inferir qualquer conhecimento, a partir do qual podemos atribuir às pessoas divinas noções e nomes.
Ao estudar os atributos e nomes associados a cada uma das pessoas divinas, devemos ter em mente que não há relação de hierarquia entre elas, e que se distinguem somente pela origem: "Entre os Três tudo é idêntico, exceto a relação de origem" (Gregório de Nanzianzo, Or. 34).
A invocação de Deus como “Pai” não é prerrogativa da religião cristã, sendo conhecida em várias religiões (CIC §238). No Antigo Testamento (AT), Deus é visto por Israel como Pai por ser o Criador do mundo, bem como em razão da aliança, por meio da qual o Deus de Israel intervém na história: “Dirás a Faraó: ‘Assim falou Iahweh: o meu filho primogênito é Israel’” (Ex. 4,22)
Quando chamamos Deus de “Pai”, a experiência humana nos remete à paternidade terrestre, e afirmamos duas coisas: primeiramente, que Deus nos deu a vida, e em segundo lugar, que é bondade e todo amor para com todos os seus filhos. Deus cuida com a sua providência de todas as coisas e, em especial, do homem. É nosso Pai do céu; em conseqüência, somos seus filhos. Para que nos lembrássemos sempre de nossa filiação divina, Jesus nos ensinou a rezar: "Pai Nosso, que estás no céu" (Mateus 6,9).
Enquanto no AT a paternidade de Deus significa a relação entre criador - criatura (relação ad extra ou ‘para fora’), no Novo Testamento (NT), embora ainda carregue esse significado, o que o hagiógrafo pretende destacar é a relação ad intra (Pai-Filho) e a filiação divina que adquirimos pelo sacrifício de Cristo.
O Pai é também chamado Ingênito e não procedente, ou, ainda, o ‘Princípio sem Princípio’. Traduzindo, significa dizer que o Pai não nasceu (como o filho) nem procedeu (como o Espírito Santo). O Filho por Ele é gerado e o Espírito Santo dEle procede. O Pai é, portanto, a origem de toda a divindade.
À pessoa do Filho se atribuem três nomes: Filho, Palavra e Imagem. A “filiação” indica a processão por via de geração, ou, segundo a teoria agostiniano-tomista, por via do intelecto. Ressalte-se, no entanto, que tal não implica supremacia do Pai sobre o Filho, não havendo superioridade de um sobre o outro.
A filiação explica a consubstancialidade, a eternidade e a divindade da segunda Pessoa da Santíssima Trindade. O Filho é da mesma substância e natureza que o Pai, é gerado, desde sempre, pelo Pai e dele recebe a divindade. Mas como explicar a geração? Quanto ao mecanismo da geração do Filho, faz parte do mistério. Onde termina o terreno da razão, inicia-se o da fé.
"O que é então a processão? Diga-me o que é a ingenerabilidade do Pai e eu explicar-lhe-ei a fisiologia da geração do Filho e a processão do Espírito; e nós ambos seremos arrebatados por nos intrometer no mistério de Deus" (Gregório de Nanzianzo, Or. 31,8).
O Filho intermedia toda a relação do Pai com suas criaturas: “ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Da mesma forma: "Ao Pai universal por Jesus Cristo no Espírito Santo" (Orígenes de Alexandria, Da Oração 33).
A segunda pessoa divina também é chamada Palavra (Logos), é o intelecto, a sabedoria de Deus. É a palavra que sai da boca do altissímo. É nome atribuído como próprio pelo evangelista São João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus.” (Jo 1,1-2).
Palavra aqui significa o concebido no entendimento, o conceito, o produto da concepção. O signo lingüístico é formado de dois elementos: significante e significado. O significante é a cadeia de fonemas (sons) e/ou grafemas (letras, ideogramas) pelos quais se exprime um conceito; este último é o significado. Diz Santo Agostinho que o Filho é o produto do intelecto do Pai - é o significado pelo meio do qual o Pai se revela a nós.
"Quem puder entender uma palavra antes que ressoe pronunciada, antes mesmo que se forme na mente uma imagem de seu som, isto é, que não pertença ainda a nenhum idioma conhecido (...) esse poderá perceber, como em espelho e em enigma, uma semelhança com aquele Verbo do qual está escrito: 'No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus'" (Da Trindade 1,15,20).
Esse mesmo conceito mental implica procedência de outro, isto é, do conhecimento daquele que concebe. Por isso, a Palavra em Deus propriamente significa algo que procede de outro.
"[O Pai] enviou o Verbo como graça, para que se manifestasse ao mundo. (...) Desde o princípio, ele apareceu como novo e era antigo, e agora sempre se torna novo nos corações dos fiéis. Ele é desde sempre, e hoje é reconhecido como Filho" (Epístola a Diogneto, 11,3-4).
O nome Imagem é atribuído por São Paulo a Jesus Cristo: “Ele é a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a criação” (Cl1,15). Com efeito, Jesus já havia dito de si mesmo: “Aquele que me viu, viu também o Pai” (Jo 14,9).
O conceito de imagem importa em semelhança. Mas nem toda semelhança pode entrar no conceito de imagem, a não ser aquela semelhança que está na espécie do objeto ou, ao menos, em algum signo da espécie, ou seja, toda imagem pressupõe um original.
Como diz Santo Tomás de Aquino: “Mas essa semelhança entre espécie e figura tampouco é suficiente, uma vez que, para que algo seja semelhante, se requer a origem” (Suma Teológica, prima pars, questão 34).
O ensinamento paulino e epistolar do NT confirmam: “(...) a tal ponto que não percebem a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2Cor 4,4)
“Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da sua palavra. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade no mais alto dos céus, tão superior aos anjos quanto excede o deles o nome que herdou. Pois a quem dentre os anjos disse Deus alguma vez: Tu és meu Filho; eu hoje te gerei (Sl 2,7)? Ou então: Eu serei seu Pai e ele será meu Filho (II Sm 7,14)?” (Hb 1,2-5)
Mais tarde, também a patrística consolidou a noção de Imagem ao falar do Filho: "Disse Deus, o Criador Trino: 'Façamos o homem à nossa imagem'. E essa imagem já é, de antemão, o Filho encarnado" (Anastácio do Sinai, In. Hex. 6).
A origem divina do Espírito Santo foi primeiramente afirmada em 381, no Concílio de Constantinopla, que disse que Ele "procede do Pai". Mais tarde, Santo Ambrósio e Santo Agostinho inauguraram uma tradição que afirmava ser o Espírito procedente do Pai e do Filho, sendo essa a tradição latina até hoje, tendo sido introduzido, no início do segundo milênio, no Credo, na liturgia, a expressão: "O Espírito provém do Pai e do Filho". O Credo da Igreja, do Concílio de Constantinopla, confessa: “Com o Pai e o Filho Ele recebe a mesma adoração e a mesma glória” (CIC 245).
Crer no Espírito Santo é, pois, professar que o Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, “e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado”. É por isso que se tratou do mistério divino do Espírito Santo na “teologia” trinitária (CIC §685).
A processão por amor não tem nome. Por isso, a pessoa que resulta da referida processão também não tem nome próprio. No entanto, a escritura atribui o título de Espírito Santo, como próprio, à terceira pessoa da trindade: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).
O nome é conveniente, por duas razões: a primeira, porque traduz o que é comum a todas as pessoas divinas. Como diz Santo Agostinho (XV De Trin.4): “é comum a ambos, e tem como nome próprio o que é comum aos dois: Pois o Pai é Espírito e o Filho é Espírito; e o Pai é Santo, como o Filho é Santo”.
A segunda, por sua significação. A palavra espírito, em sua significação relativa ao mundo criado – sopro, expiração - parece indicar certo impulso e moção. É próprio do amor mover e impulsionar a vontade do que ama na direção do amado. De outro lado, a santidade se atribui àquilo que está ordenado a Deus. Dessa forma, é adequado que seja chamada Espírito Santo.
Uma metáfora trinitária comum é: O Pai é o que ama (sujeito). O Filho é o amado (paciente). O Espírito Santo é o Amor. Tal noção advém das Escrituras: “Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5).
O Espírito Santo é dom de Deus nas criaturas; é a doação ou ato de dar. Dar é um ato de amor e liberdade. As dimensões amor e doação são estreitamente ligadas: Pelo amor que é o Espírito, o Pai se doa ao Filho e o Filho ao Pai: "O Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte primeira e, pela doação eterna deste último ao Filho, do Pai e do Filho em comunhão" (Santo Agostinho, Da Trindade 15,26,47).
“Desde que o Verbo assumiu a natureza humana, a graça foi como que natural para este Homem, intocável pelo pecado. E se essa graça devia ser atribuída ao Espírito Santo é porque o Espírito Santo existe em Deus de tal sorte que se chama o Dom de Deus” (Santo Agostinho, Enchiridion 40).
Enfim, em Deus há três pessoas e uma única natureza. Não há hierarquia e não se pode falar em inferioridade ou superioridade de uma ou outra pessoa divina em relação às demais. Há ainda muita coisa que não compreendemos sobre a Santíssima Trindade, esse verdadeiro e excelso “triângulo amoroso”. Na eternidade, teremos todas as respostas. Por ora, basta-nos a certeza que vem da fé.
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