sábado, 9 de julho de 2011

O rito, o papa e o amor


Uma pequena introdução ao amor que se deve a Santa Liturgia

Por Michel Pagiossi Silva

Ainda quando era cardeal em 2004, o papa Bento XVI foi chamado para prefaciar o livro “The organic development of the liturgy” de Dom Alcuin Reid (O desenvolvimento orgânico da Liturgia) e, muito diretamente, fala da liturgia e, especialmente, do papel exercido nela pelo Supremo Pontífice[i]:

“(...) o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro a garantir a obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer tudo o que querem. A lei a que deve se ater não é a ação ad libitum, mas a obediência à fé. Por isso, diante da liturgia, tem a função de um jardineiro e não a de um técnico que constrói máquinas novas e joga as velhas na lata de lixo. O “rito”, ou seja, a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o conjunto de sua fé e de sua oração, tornando assim experimentáveis, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações e a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um dom concedido à Igreja (...)”.

São frases fortes, não podemos negar, mas que demonstram algo mais além do que se pode captar. Se a primeira vista o texto parece duro, condenando os abusos, por outro, e, provavelmente, era este a intenção do, então, cardeal Ratzinger, demonstra um grandíssimo amor pela Liturgia e, ao mesmo tempo, uma grande definição do dom que temos em nossos rituais.

Chama-nos a atenção algumas das idéias que o atual papa usa, como, por exemplo, o papa como um jardineiro e não um mecânico. O papa é jardineiro porque apara o crescimento gradual e, da mesma forma, quando jardinamos algo não o fazemos por mau, ao contrário, o fazemos com a melhor de todas as intenções porque desejamos que a planta cresça e viceje! Não agimos de modo egoísta, cortando este ou aquele galho que não nos interessa por o acharmos feio ou pomposo demais, mas, trabalhamos para que a obra em si, a árvore ou planta, seja aquela que melhor florirá, crescerá e que se tornará mais bela.

Porém, se o papa é o jardineiro, o que ele jardina? O papa jardina uma árvore chamada Tradição e que, no caso deste artigo, tem como sua representação o rito litúrgico. O Rito Romano é o rito que estamos acostumados a participar em nossas paróquias, mesmo havendo vários outros ritos dentro da Igreja Católica Apostólica Romana. O importante é lembrarmos que nenhum rito é melhor que o outro, da mesma forma que árvores que dão o mesmo fruto não são melhores ou piores por serem diferentes umas das outras! O rito constitui-se de gestos, palavras, ações, música, silêncio, toda uma série de rituais que tem como centro Nosso Senhor Jesus Cristo, presente na Mesa da Palavra e, ainda mais especialmente, feito presença viva no meio de nós “escondido” de nossos olhos sob as Espécies do Pão e Vinho que, na Consagração, tornam-se Seu Preciosíssimo Corpo e Sangue.

Voltando a árvore, que chamamos de Rito, e que o papa é o jardineiro. Há algo de muito especial nesta árvore: por dois mil anos, mais de duas centenas e meia de jardineiros passaram por elas. Além disso, milhões e milhões de fiéis, desde a fundação da Igreja, deram sua pequena contribuição para a árvore, uns a admiraram, outros a regaram, outros se colocaram a serviço do jardineiro, fazendo o que lhes pedia. Como muitos passaram pela árvore, muitos passarão por ela!

Muitos passarão e verão esta árvore... É uma afirmação interessante. Podemos lembrar-nos de nossos pais que nos ensinaram e nos tomaram pelas mãos e nos conduziram a Igreja e nós, como ficamos curiosos, tentando entender o que acontecia ali, naquele altar. E podemos estender isso a nossos pais e nossos avôs e aos nossos bisavôs e tataravôs... E voltaremos no tempo em uma linha contínua até os primeiros cristãos, até os mesmos Apóstolos que hoje honramos em nossos altares, e veremos que a sombra desta árvore se estendeu desde o princípio, desde quando ela era uma mudinha, e hoje é tão bela e frondosa! Agora, depois de olharmos para trás, podemos olhar para frente...

Olhando para frente, mesmo na expectativa da Vinda do Senhor, podemos ver nossos filhos, nossos netos, toda a nossa família futura reunida a volta desta árvore. Que beleza deve ser! Porém, isso nos levanta a questão: mesmo não sendo o jardineiro, que árvore queremos legar a nossos filhos ou, mais imediatamente, a nós mesmos?

O que eu desejo começar, neste artigo, é mostrar não apenas a antiguidade da Santa Liturgia, mas, da mesma forma, ajudar a despertar em cada um o amor para com a Celebração Eucarística, seja do rito que ela for celebrada. Basear-me-ei, inicialmente, em três pontos: venerabilidade, amor a Nosso Senhor e obediência.

Tanto já foi escrito sobre a venerabilidade da Liturgia, porém, poucas vezes paramos para nos perguntar sobre isso. Pois cada gesto, cada palavra (especialmente nos textos originais, antes das traduções) tem uma história profunda por trás de si. Foram anos e anos de crescimento da árvore que levaram no que ela é hoje! Se pensarmos que a Oração Eucarística I, chamada de Cânon Romano, já estava em uma forma bastante parecida com a que ouvimos hoje com o papa São Gregório Magno (papa de 590 a 604), notaremos que nada está lá por acaso, mas, houve um desenvolvimento e florescimento de fórmulas belas, simples e profundas ao longo do tempo que se tornaram universais.

Da mesma forma, é exatamente durante a Ação Litúrgica que o sacerdote, agindo in persona Christi, rememora os acontecimentos finais de Nosso Senhor, a Ceia Pascal, sua dolorosa Paixão e sua Gloriosa Ressurreição e Ascensão aos Céus! É lá, na Celebração Eucarística, que Nosso Senhor Jesus se faz novamente presente verdadeira comida e verdadeira bebida! Ele vem! Que lindo é pensarmos nisso! O próprio Cristo, Deus feito homem, vem a nós e permanece conosco, não porque merecemos, mas porque Deus quer salvar-nos e não fazer-nos perder! Quão bom e frutuoso seria se honrássemos mais e melhor Nosso Senhor Sacramentado!

Termino falando da obediência. Meus irmãos, que venerável é nossa Liturgia! Meus irmãos, que benção maravilhosa e incomparável é termos o próprio Deus sobre Nossos Altares! Então, o que faremos? Vamos jogar toda a antiguidade fora porque queremos o novo que inventamos? Vamos fazer da Celebração do Deus Vivo, do Cordeiro Pascal, uma festa de nós homens? Vamos trocar a beleza de uma Celebração bem feita pela improvisação por causa da “criatividade”? Não responderei as questões, mas, darei uma idéia do que penso. Voltemos a Árvore, voltemos ao Jardineiro. Se quisermos realizar uma Santa Celebração a primeira coisa a fazermos é nos voltarmos para a figura daquele jardineiro de vestes brancas tão simples e ouvirmos o que ele tem a dizer porque ele é como “um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas.” (Mt 13,52). Ele sabe o que faz e, com toda a certeza, sempre nos dará o melhor.

E o que queremos para nós, senão o melhor?
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Notas:

[i]RATZINGER, Joseph, Preface in REID (OSB), Alcuin. The organic development of the liturgy, p. 10-11, Ignatius Press, San Francisco, 2005.

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