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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cardeal Cañizares: Jesus e as crianças



Há cem anos, Pio X antecipava a idade para a primeira comunhão




No contexto do centenário do decreto Quam singulari Christus amore (8 de agosto de 1910), de São Pio X – Papa que foi beatificado em 1951 e canonizado em 1954 –, publicamos a reflexão do prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, cardeal Antonio Cañizares, apresentada em L'Osservatore Romano. Bento XVI discutiu esse tema na audiência geral de quarta-feira passada.
* * *
Completam-se agora cem anos da promulgação do decreto Quam singulari, do Papa São Pio X, pelo qual, seguindo fielmente os ensinamentos do Concílio IV de Latrão e os de Trento, estabeleceu a primeira comunhão e primeira confissão das crianças à idade do uso de razão, quer dizer, em torno dos sete anos.


Esta disposição do santo Papa supunha um caminho muito importante na prática pastoral e na concepção habitual de então, que por razões diversas, tinha atrasado a idades posteriores este acontecimento tão transcendente para o homem.


Com este decreto, São Pio X, o grande Papa da piedade e da participação eucarística, com o desejo de renovação eclesial que inspirou seu pontificado, ensinou a toda Igreja o sentido, lugar, valor e centralidade da sagrada comunhão para a vida de todos os batizados, incluídas as crianças.


Com este gesto, ao mesmo tempo, destacava e recordava a todos o amor e a predileção de Jesus pelas crianças, que, além de fazer-se criança, manifestou seu amor por elas com gestos e palavras, até o ponto de dizer: “se não forem como as crianças, não entrarão no reino dos céus”; “deixai que as crianças venham a mim, não as impeçam, porque delas é o reino dos céus”. Elas são sempre amigas muito especiais do Senhor.


Com a mesma predileção, com o mesmo olhar amoroso e com a mesma atenção e solicitude singular, a Igreja olha, atende, cuida e se preocupa com as crianças. Por isso, ela, como mãe amorosa, quer para seus filhos pequenos, os primeiro no reino de Deus, que, com as devidas disposições, participem logo do melhor e mais importante que Jesus nos deixou em sua memória: seu Corpo e seu Sangue, o Pão da vida. Pela sagrada comunhão, Jesus em pessoa, Filho de Deus, entra dentro da vida de quem o recebe e coloca sua morada nele. Não há maior amor, nem maior presente. Isso é um dom de amor que vale mais que todo o restante que se possa dar à vida de cada homem. Estar com o Senhor; que o Senhor esteja em nós, dentro de nós; que nos alimente e sacie; que nos tome pelas mãos e nos guie; que nos vivifique e permaneçamos fielmente em comunhão e amizade com ele: é sem dúvida o mais importante, o mais gratificante, o mais gozoso que pode acontecer a alguém.


Como atrasar, pois, às crianças, este encontro com Jesus, elas que são seus melhores amigos, as especialmente queridas por Deus, o Pai, objeto de especial cuidado da Igreja, mãe santa?
A primeira comunhão das crianças é como o início de um caminho junto a Jesus, em comunhão com ele: o início de uma amizade destinada a durar e se fortalecer toda a vida com ele; começo de um caminho, porque com Jesus, unidos sem nos separar, procedemos bem e a vida se faz boa e virtuosa; com ele dentro de nós podemos ser sem dúvida pessoas melhores. Sua presença entre nós e conosco é luz, vida e pão no caminho. O encontro com Jesus é a força de que necessitamos para viver com alegria e esperança. Não podemos, atrasando a primeira comunhão, privar as crianças – a alma e o espírito das crianças – desta graça, obra e presença de Jesus, deste encontro de amizade com ele, desta participação singular do próprio Jesus e deste alimento do céu para poder amadurecer e chegar assim à plenitude.


Todos, especialmente as crianças, têm necessidade do Pão descido do céu, porque também a alma deve se nutrir e não bastam nossas conquistas, a ciência, as coisas técnicas, por muito importantes que sejam. Necessitamos de Cristo para crescer e amadurecer em nossas vidas. Isso é ainda mais importante neste tempo que vivemos e o é de modo especial para as crianças, frequentemente objeto, infelizmente, de manipulação e de destruição de sua grandeza, pureza, simplicidade, “santidade”, capacidade de Deus e de amor que as constitui. As crianças vivem imersas em mil dificuldades, envolvidas em um ambiente difícil que não lhes favorece ser o que Deus quer delas; muitas são vítimas da crise da família. Nesse clima ainda lhes é mais necessário o encontro, a amizade, a união com Jesus, sua presença e sua força. São, por sua alma limpa e aberta, as mais bem dispostas, sem dúvida, para isso.


O centenário do decreto Quam singulari é uma ocasião providencial para recordar e insistir no ato de receber a primeira comunhão quando as crianças tiverem a idade do uso de razão, que hoje, inclusive, parece se antecipar. Não é recomendável, por isso, a prática que se está introduzindo cada dia mais de atrasar a idade da primeira comunhão. Ao contrário, é ainda mais necessário o ato de adiantá-la. Perante tantas coisas que estão acontecendo com as crianças, e o ambiente tão adverso em que crescem, não as privemos do dom de Deus: este pode ser, é a garantia de seu desenvolvimento como filhos de Deus, engendrado pelos sacramentos da iniciação cristã no seio da santa mãe Igreja. A graça do dom de Deus é mais poderosa que nossas obras e que nossos planos e programas. Quando São Pio X adiantou a idade da primeira comunhão, também insistiu na necessidade de uma boa formação, de uma boa catequese. Hoje devemos acompanhar este ato de adiantar a idade com uma nova e vigorosa pastoral de iniciação cristã. As linhas marcadas pelo Catecismo da Igreja Católica e o Diretório geral para a catequese são guias imprescindíveis nesta nova pastoral ou renovada da iniciação cristã tão fundamental para o futuro da Igreja, a mãe que, com o auxílio da graça do espírito, engendra e amadurece seus filhos pelos sacramentos da iniciação, pela catequese, e por toda ação pastoral que acompanha. Assim, pois, não fechemos hoje nossos ouvidos às palavras de Jesus: “deixai que as crianças venham a mim, não as impeçam”. Ele quer estar nelas e com elas, porque “das crianças e dos que são como elas é o reino de Deus”.


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