quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O machado do Cardeal Piacenza sobre os “padres-pop”. “A secularização do clero e a clericalização do laicato”.

O selo do padre. Um livro do Cardeal Mauro Piacenza


Marco Tosatti – La Stampa – Tradução e fonte: Fratres in Unum.com

A nova evangelização está fadada a ser um mero slogan desprovido de qualquer eficácia missionária real se não tiver por base uma renovação espiritual dos sacerdotes. Esta é a convicção subentendida no especial Ano Sacerdotal (19 de junho de 2009 – 11 junho de 2010) convocado recentemente por Bento XVI. É também, em última análise, a inspiração do livro do Cardeal Mauro Piacenza, Il sigillo. Cristo fonte dell’identità del prete [O selo. Cristo, fonte da identidade do padre] (Siena, Edizioni Cantagalli, 2010, 158 páginas, € 13,50). O autor, ordenado sacerdote pelo Cardeal Siri, em Gênova, como se sabe, recebeu a púrpura [cardinalícia] no consistório de 20 de novembro passado, e desde 7 de outubro guia a Congregação para o Clero, da qual era secretário desde 2007. No livro, que já no título faz referência explícita ao “selo” sacramental da ordem, são recolhidos discursos, reflexões e homilias pronunciados por conta do seu cargo. Um observatório único e privilegiado sobre a condição e a missão do clero no mundo e suas perspectivas. Em primeiro plano, a tentativa de redefinir o semblante do padre na sociedade pós-moderna. Esclarecendo o significado da vocação, enfatizando a importância da formação – mesma aquela puramente humana — mas, sobretudo, a fidelidade ao ministério. E tendo em mente que o “selo” em questão não é um “selo que encerra” os tesouros da graça, “da qual os sacerdotes são canais vitais e não fontes independentes”, mas um selo que “abre”, mais, que “escancara a uma realidade maior” e que indica “a pertença de cada sacerdote a Deus” e a “consequente indisponibilidade” para “qualquer outra identidade e ação profana ou mundana”. O Cardeal, por outro lado, não deixa de indicar, com muita franqueza, os pontos críticos e as angústias que, nas últimas décadas, têm colocado em cheque a figura do padre, fazendo-a ser considerada quase antiquada — ao menos como chegou até nossos dias — ou reduzindo-a de alter Christus a um mero exercício de um ofício eclesiástico como qualquer outro. Assim, não só a consequente crise vocacional, mas também o aparecimento, entre vários membros do clero, de um certo relaxamento doutrinal, que, na esteira da mentalidade secular, a torna somente moral e cultural. Para não falar dos escândalos e abusos. Com enormes e inevitavelmente negativos reflexos sobre a eficácia das ações missionárias. E confusões de conclusão paradoxal: “A secularização do clero e a clericalização do laicato”. Também neste sentido, portanto, é necessário ler as palavras de apreciação que o purpurado dedica aos movimentos e novas comunidades, uma vez que “em um contexto de fé viva e existencialmente relevante”, a “vocação sacerdotal é mais facilmente percebida, mais livremente acolhida e mais fielmente seguida”. Não faltam alguns golpes que atingiram em cheio fenômenos definidos como “embaraçosos” — e que rementem, menciona o autor, também a uma reflexão sobre a responsabilidade de supervisão dos bispos — como a aumento, especialmente nas televisões, dos “padres-pop”, que muitas vezes se distanciam claramente da doutrina e que na melhor das hipóteses levam “confusão” entre os fiéis. E depois, se debrunçando sobre a formação dos presbíteros, o dedo apontado contra aquele “racionalismo cético”, confundido com “maturidade de fe”, que “infelizmente tem inundado muitas faculdades de teologia, tentadas continuamente a uma leitura ‘muito crítica’ e ‘pouco histórica’ e, consequentemente, pouco equilibrada e nem mesmo, de fato, ‘histórico-crítica’, sobretudo dos dados neotestamentários”. Particular atenção é dada à “dimensão orante” e especialmente àquele “ato que com maior freqüência cada sacerdote é chamado a desempenhar”, ou seja, a celebração da Missa, que “deve ser, ou deve voltar a ser, o cume da jornada diária sacerdotal” . Nesta perspectiva, espera-se a recuperação — considerada “necessária e urgente” – da pastoral sacramental que por muitas décadas foi “interpretada negativamente” e apresentada em uma “visão incompleta e reduzida”. Assim, com base no magistério de Bento XVI, o Cardeal Piacenza se questiona se é realmente possível exercer o ministério sacerdotal “superando” a pastoral sacramental. Com o convite a refletir se de fato, em alguns casos, o “ter subestimado o exercício fiel do munus sanctificandi talvez tenha sido um enfraquecimento da própria fé na eficácia salvífica dos sacramentos e, por fim, na obra atual de Cristo e de seu Espírito, através da Igreja, no mundo”. Significativo – na perspectiva da “nova evangelização” — é o fato de que a abertura do volume seja dedicado a uma ampla meditação feita pelo prelado, em 2009, com os seminaristas holandeses, cujo tema, desde a raiz, é o significado da vocação sacerdotal como evento sobrenatural de graça. Com as implicações necessárias de “radicalidade” e “totalidade” que revestem a esfera da afetividade – “a maior forma de testemunho possível a ser dado a Cristo é a perfeita continência pelo Reino dos Céus” – e a da disciplina eclesial. “Só a radicalidade da fé pode conter o ‘impacto’ do mundo contemporâneo que, contínua e sistematicamente, mina em todos, inclusive em nós, a dúvida, a incerteza, a tentação de que não há nada absoluto, nada estável, nada objetivo, a tentação de que ‘tudo é nada’”. Os sacerdotes, em essência, devem se proteger contra os encantos do niilismo e do relativismo. E com a importante ênfase em que, quando a vocação é autêntica e se funda sobre uma sólida formação, é acompanhada por um extraordinário “florescimento do humano” que “nunca teria acontecido em nossas existências, se não tivéssemos recebido e acolhido o chamado”. Embora, pelo contrário, quando “graves defeitos humanos permanecem”, também “contra notáveis esforços formativos nos outros âmbitos, o ‘edifício’ e a ‘estrutura’ da personalidade nunca estão a salvo de repentinos ‘colapsos’ e devastadores ‘terremotos’”. A reforma do clero, tão importante também do ponto de vista missionário, é, portanto, “antes de tudo, a renovação espiritual de cada sacerdote” e requer – enfatiza o purpurado – o recurso àquele “diálogo da verdade” capaz de “reconhecer humildemente os limites e erros” e “descobrir soluções e perspectivas”. Evitando a “tentação do funcionalismo” e da “deriva utilitarista da cultura dominante”. Conscientes de que o “selo sacramental” traz consigo a tendencial “coincidência” entre identidade pessoal e ministério sacerdotal.

* * *
Em novembro de 2009, declarava o então Monsenhor Mauro Piacenza: “A comunicação deve favorecer a comunhão na Igreja, de outro modo se converte em protagonista, ou pior ainda, introduz divisão. Para a evangelização não servem os sacerdotes showman que vão à TV [...] O sacerdote não deve improvisar quando utiliza os meios de comunicação, nem pode comunicar a si mesmo, mas [comunicar] dois mil anos de comunhão na Fé. Esta mensagem pode ser transmitida apenas através de sua própria experiência e de sua vida interior”.

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