terça-feira, 5 de outubro de 2010

O PT visto por um dos seus fundadores.


Caros amigos(as), encaminho-lhes, abaixo, reportagem publicada no Diário do Nordeste, em 01.10.2010. Precisamos estar de olho no processo democrático como cidadãos, cristãos, despidos das paixões políticas partidárias. A duras penas conquistamos um estado democrático de direito.


Diário do Nordeste – Edição de 01.10.2010

Um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, de 89 anos, não se rende ao discurso da maioria silenciosa. Com uma visão crítica do processo eleitoral em curso, ele reafirma o papel dos meios de comunicação e da sociedade na consolidação da democracia

O senhor vem afirmando, a exemplo do manifesto que leu na semana passada, que a democracia no País está ameaçada. Por quê?

Estas coisas são os imponderáveis. Os próprios acontecimentos levam as pessoas a passarem por cima das leis e da Constituição. Passamos da democracia para o autoritarismo, sempre em detrimento do povo. No caso, já tivemos o Lula por anos no poder. E tudo indica que vamos ter uma pessoa que representa sua continuidade. A candidata da situação já disse que ela é o Lula. E o Lula já disse que é ela. Então, vamos ter um cenário em que o partido de situação elege o presidente, a maioria na Câmara, no Senado Federal, nos governos dos Estados, o Judiciário e mais o povo. O Lula vai fechar todos estes poderes nas mãos. Isto é claramente um risco que pode evoluir para uma atitude mais autoritária, mais arbitrária, que pode se manifestar numa pseudo reforma da Constituição. Na possibilidade de que este cenário venha a se concretizar, as forças democráticas devem começar a fazer vigilância. Nós não vamos ter oposição ao novo governo.

O senhor reconhece que a oposição está enfraquecida no atual governo...

Eu acho que completamente inexistente, não enfraquecida. Estamos há vários anos sem oposição. O mensalão era para resultar em impeachment e não resultou. O próprio procurador geral da República denunciou os envolvidos no esquema a partir do presidente...

Qual o papel da imprensa, então, diante do quadro que o senhor descreve, com governo caminhando para o autoritarismo e ausência de opositores?

Fundamental! Se não existe oposição e a imprensa se cala, acabou! A liberdade de imprensa, exercida de forma consciente, é fundamental para a democracia. Ainda existe alguma resistência, não só, evidentemente, da imprensa, mas da sociedade civil em geral.

O senhor concorda com a visão de que o debate, nesta eleição, está esvaziado?

Sim. O que os candidatos estão discutindo é abobrinha, não é para o público. Precisávamos ver o que vamos fazer, o que é possível fazer efetivamente em áreas como educação, saúde, segurança pública, acesso à Justiça. Aliás, esta é uma eleição em que eu nunca vi tanta indiferença da população para os debates. E com certa razão.

O Brasil poderia ter feito história, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) fizesse valer a aplicação da Lei da Ficha Limpa já nestas eleições?

A Constituição tem um mecanismo que diz ser preciso examinar a vida pregressa do cidadão que deseja pleitear mandato. A primeira emenda a este dispositivo restringiu esse exame à sentença penal transitada em julgado. Ou seja, se o candidato tivesse cometido algum crime penal, com sentença transitada em julgado, teria o registro cassado. No Ficha Limpa, restringe à sentença penal. Acontece que nenhuma lei pode restringir ou ampliar o que diz a Constituição. A pessoa pode não ter ficha criminal suja, mas ter uma vida política condenável, como, por exemplo, ter renunciado a um mandato para não ser cassado ou expulso do partido. Já que houve impasse do STF (Supremo Tribunal Federal) - e isso foi um absurdo - a Justiça eleitoral deveria simplesmente aplicar o que diz a Constituição. E ela manda que se examine a vida pregressa do candidato e negue o registro em caso de sentença penal.


O senhor ficou no PT por 20 anos. Sente decepção pelos rumos do partido no poder?

Eu senti frustração, não com o Partido dos Trabalhadores, mas com a sua direção, à medida em que ela se afastou dos ideais que davam sustentação ao partido. Quando nós fazíamos oposição (nos governos de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso), era de verdade, era pra valer...

Apesar do "afastamento" de Lula dos ideias do PT, ele teve um governo bastante popular, com altíssimos índices de aprovação da população...

A população foi cooptada pelos favores que se dão, como os tais programas sociais. O retorno é o voto sem crítica, a aceitação de tudo o que está posto, sem discussão. Por isso, reforço que é preciso exercer a vigilância sobre a atuação deste e dos futuros governos.

Perfil


Pelos direitos

Jurista, político e ativista dos direitos humanos, foi deputado federal e vice-prefeito de São Paulo, na gestão Marta Suplicy. Desde 2003, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH). Aos, 89 anos, sofreu um AVC em agosto passado. Mesmo em recuperação, no último dia 22, subiu no parlatório do largo São Francisco para ler um manifesto pela democracia e liberdade de imprensa, em ato-reação aos ataques contra a mídia feitos pelo presidente Lula e por setores do Partido dos Trabalhadores (PT). No dia seguinte, entidades pró-governo, como centrais sindicais, ONGs, o MST e a UNE, fizeram manifestação contra o que intitularam "golpismo midiático" de alguns veículos da imprensa. Para Bicudo, que foi um dos fundadores do PT, mas deixou a legenda em 2005, o ato contra empresas de mídia foi feito "por encomenda do governo federal".

MANIFESTO


Em defesa da democracia

Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.

É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há "depois do expediente" para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no "outro" um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

José Cavalcante ARNAUD - Democrata convicto.
Consultoria e Assessoria Municipal
(85) 9991-2050 e (85) 8665-0250

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